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OMS cita cegueira de governos e diz que covid-19 não é doença leve

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, durante entrevista coletiva em Genebra - Denis Balibouse
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, durante entrevista coletiva em Genebra Imagem: Denis Balibouse

Colunista do UOL

11/05/2020 13h18

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Não, a Covid-19 não é uma gripezinha e países que continuam "cegos" diante da ameaça vivem momentos perigosos. A OMS defende que a Covid-19 deixe de ser considerada como uma doença leve e, cinco meses depois de a crise começar, a entidade alerta que governos precisam assumir a responsabilidade diante da pandemia. Apesar de uma taxa de mortalidade relativamente baixa, o coronavírus precisa ser considerado como um vírus ameaçador, com graves impactos para a saúde.

Segundo a OMS, se 40% dos infectados desenvolvem sintomas leves, há um grupo importante que sofre para restabelecer sua saúde, com diversas complicações. Além disso, 5% têm um status de crítico, contra outros 15% considerados como casos severos.

Michael Ryan, diretor de operações da OMS, em sua coletiva de imprensa nesta segunda-feira, indicou que teme reações de políticos e países que continuem a achar que a crise não é séria. "Precisamos acertar nossas prioridades", disse.

Por semanas, governos insistiram que a doença não era séria suficiente para justificar posições mais duras ou mesmo confinamentos. Uma das teses era de que, se o vírus circulasse, a população acabaria sendo imunizada, ainda que um número não sobrevivesse.

Ryan alertou que tal conceito poderia ser usado para animais. Mas não para humanos, já que tomos importam. "Precisamos ser cautelosos ao usar esses termos", disse, alertando que as contas poderia acabar sendo "brutais".

Segundo ele, existia a ideia inicial de que apenas alguns casos seriam complicados e afetando apenas os mais idosos. Mas, de acordo com Ryan, os estudos tem mostrado algo muito diferente. "A proporção de pessoas com condições severas é a maior entre os infectados", disse, destacando para a falta de energia, condições frágeis mesmo entre os recuperados.

"Temos um longo caminho. Isso é sério. É inimigo público número 1", disse. "Precisamos dar um passo para trás e recalcular isso como doença leve", alertou.

Para Ryan, existe o risco de que governos voltem a fazer os mesmos erros do início da crise, quando não levaram a doença a sério e nem impuseram medidas. "Temos uma segunda chance como sociedade para colocar medidas", disse.

O diretor criticou governos que acharam que suas populações iriam, de forma mágica, ganhar imunidade. "E dai que perderemos alguns mais velhos no caminho", ironizou. "isso é um calculo perigoso e não acho que maioria dos membros fariam. A maioria dos governos responsáveis vai olhar a todos em sua sociedade e vai fazer de tudo para que os proteger, e claro, proteger a economia. Precisamos acertar nossas prioridades para as próximas fases", defendeu.

Cegueira preocupa

Ryan ainda se disse preocupados com países que "continuam dirigindo cegos", numa alusão à falta de testes e do reconhecimento da gravidade do caso, da falta de medidas de distanciamento social ou de testes. Segundo ele, alguns governos não agiram no início e, agora, terão uma segunda chance. Mas a "séria cegueira" de alguns pode afetar a capacidade de dar uma resposta.

O diretor da OMS não citou nomes de países. Mas deixou claro que tal situação vem deixando os especialistas preocupados. Nas últimas semanas, as preocupações da agência em relação ao Brasil foram evidentes.

Outro fator destacado pela OMS é a existência de uma proporção muito baixa da população com anticorpos, entre 1% e 10%. A maioria, portanto, anda está sucessível ao vírus. Até que uma vacina apareça, governos não têm outra opção senão a de estabelecer um pacote de medidas. "Temos um longo caminho, Muita gente pode ser infectada", disse Maria van Kerkhove, diretora técnica da entidade. Ela, porém, garante que o mundo tem os instrumentos para lutar.

Quarentenas funcionaram

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou que as medidas de confinamento adotadas por governos funcionaram em conter uma expansão ainda maior do coronavírus. Mas alerta que, na medida que países europeus e asiáticos iniciam uma transição para sair da quarentena, critérios para a reabertura de escolas e locais de trabalhos precisam ser atendidos. Caso contrário, o temor é de que haja uma nova onda do surto.

"Temos mais de 4 milhões de casos e governos começaram a retirar suas medidas de confinamento deforma progressiva. Muitos países usaram o tempo para melhor habilidade de testar e isolar casos, que é a melhor forma de controlar vírus", disse.

"A boa notícia é que (o confinamento) teve êxito em desacelerar o vírus e salvar vidas", afirmou Tedros. "Mas vieram com custos e reconhecemos o sério impacto que tiveram sobre as vidas das pessoas, com detrimento para muitos", alertou.

Para Tedros, portanto, retirar as medidas de controle é "chave" para as economias. Mas insiste que "os olhos precisam se manter vigilantes para que medidas de controle possam voltar a ser implementadas se o surto voltar a ganhar força".

Segundo ele, governos precisam responder a três perguntas antes de tomar a decisão de relaxar a quarentena:

- o surto está sob controle?
- o sistema de saúde pode lidar com novos casos?
- o monitoramento de casos está em operação para conseguir identificar novos casos e isolar?


"Isso vai determinar se o confinamento pode ser retirado ou não", disse Tedros. "E mesmo assim, é complexo e difícil. Vimos no fim de semana sinais dos desafios que podem surgir", afirmou.

O diretor-geral deu o exemplo da Coreia do Sul, China e Alemanha. "Felizmente, esses três países têm sistemas para responder", afirmou.

Para Ryan, "existem sinais claros de esperança". Mas, para se evitar uma segunda onda de contaminação, governos precisam ser "extremamente vigilantes".

Escolas

Critérios também terão de ser implementados para as eventuais reaberturas de escolas:


- A compreensão de como ocorre transmissão entre crianças.
- Se a escola está localizada em uma região de intensa transmissão
- Habilidade de a escola ter medidas de prevenção e identificação de casos

Maria van Kerkhove, diretora técnica da OMS, indicou que os estudos apontam que, por enquanto, as crianças representam entre 1% e 5% dos casos da doença. Quase sempre são contaminadas por adultos e raramente são elas quem transmitem. Na maioria das vezes, os casos são leves. Mas existem também registros de casos sérios e mortes.

Segundo ela, deve haver uma adaptação das escolas para tentar deixar as crianças mais afastadas uma das outras. "Não é apenas se a escola pode abrir. Mas também como", disse.

Além das escolas, a OMS apresenta critérios sobre como empresas e locais de trabalho devem agir para mitigar a situação. Para a entidade, a pandemia precisa fazer parte do plano de negócios a partir de agora.