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Jamil Chade

Ciência e diplomacia desmontam estratégia de Bolsonaro e isolam país

Presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo -
Presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo

Colunista do UOL

25/05/2020 18h49

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Evidências científicas, a explosão de casos de covid-19 no Brasil, a pressão diplomática internacional e a deterioração sem precedentes da imagem do país desmontam a estratégia traçada pelo governo de Jair Bolsonaro para lidar com a pandemia do coronavírus. O resultado passou a ser um país isolado e, aos olhos do mundo, com sérias dificuldades para sair de sua crise.

Nos últimos dias, o Brasil passou o segundo país com maior número de casos no mundo e, nas últimas duas semanas, somou três vezes mais casos que todos os 27 países da UE (União Europeia), juntos. A cada dia, um a cada quatro mortes no mundo tem ocorrido no Brasil.

Os números que revelaram a dimensão da crise foram acompanhados por duros golpes contra as apostas que o Planalto tentou usar para justificar seu combate à pandemia.

Um deles foi a promessa do uso da cloroquina. Depois da queda de dois ministros da Saúde, o governo trocou o protocolo do Ministério da Saúde para incluir o medicamento. Na mesma semana, um estudo da revista científica The Lancet chegou à conclusão de que os riscos para a saúde superam as evidências positivas.

No sábado, foi a vez de a OMS (Organização Mundial de Saúde) reunir seus especialistas e, agora, a entidade divulgou sua decisão de suspender temporariamente todos os testes com o remédio que servia de carro-chefe para a política de Bolsonaro.

Outra evidência científica escancarada pela OMS foi a do distanciamento social. A entidade anunciou que não há provas de que um país com intensa transmissão simplesmente verá o desaparecimento do vírus. A única saída, segundo a agência, é a adoção de medidas sociais, como quarentenas ou lockdowns.

Uma vez mais, a proposta de Bolsonaro foi derrubada por evidências científicas. Para abrir mão de tais medidas, a OMS indica que um país precisa ter a capacidade de realizar milhares de testes diariamente, assim como isolar todos os casos positivos e ainda identificar todas as pessoas que tiveram contato com eventuais pacientes. O Brasil, no caso, não tem tal capacidade.

Num chamado velado ao governo federal, o chefe de emergências da OMS, Michael Ryan, ainda apelou para que "sociedade e governo" chegassem a um acordo sobre a estratégia para lidar com a crise nacional.

Isolamento, só o político

Politicamente, o país acumula derrotas internacionais. Na semana passada, o Itamaraty ficou de fora de uma aliança mundial criada para desenvolver uma vacina. Na América Latina, os protagonistas na reunião anual da OMS passaram a ser os presidentes da Costa Rica, Colômbia e Paraguai, todos comprometidos em lutar contra o vírus.

Desde terça-feira da semana passada, a coluna solicita ao Itamaraty um esclarecimento se Bolsonaro havia sido convidado para a reunião. Diplomatas em Brasília indicam que nenhum convite passou por eles. Mas, oficialmente, a chancelaria mantém um silêncio profundo sobre se esse convite foi realizado ao brasileiro ou não.

A exclusão foi resultado de semanas de ataques por parte do governo brasileiro contra a OMS, sugerindo que a entidade fizesse parte de um "plano comunista" para permitir uma maior influência da China num mundo pós-pandemia.

Em reuniões fechadas ou mesmo em público, o chanceler Ernesto Araújo vem defendendo a tese de que o vírus do comunismo precisa ser enfrentado.

No fim de semana, mais um golpe. E desta vez por parte do principal aliado: os EUA. O governo de Donald Trump anunciou a proibição de voos de brasileiros para os aeroportos americanos. Ainda que a medida tenha sido vendida pelo governo de Bolsonaro como uma questão "técnica", a decisão desmontou a tese do Planalto de que existiria uma relação privilegiada entre Washington e Brasília.

A medida, aos olhos do restante do mundo, também foi interpretada como um sinal de que a pandemia, no Brasil, está hoje fora de controle.

Reputação internacional em crise

Na ONU, o governo Bolsonaro também sofreu um revés. Já em dezembro, o relator das Nações Unidas, Baskut Tuncak, estava preparando um informe sobre o Brasil. Mas decidiu ampliar suas investigações e incluir as respostas do governo à covid-19 em suas críticas.

O informe apontará para as violações de direitos humanos cometidas pelo governo ao não proteger sua população. Ainda que não haja uma consequência direta, a situação exigirá que o Brasil responda durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro. O gesto promete aprofundar uma imagem já desgastada.

Outros dois relatores também já criticaram o governo, deixando o Itamaraty irritado com a nova onda de pressão internacional. Até mesmo a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, alertou que, se a postura negacionista do governo tivesse sido evitada, vidas teriam sido salvas.

Enquanto isso, no Parlamento Europeu, deputados têm proliferado cartas à Comissão Europeia pedindo que o bloco reveja suas relações com o Brasil. Isso, segundo fontes em Bruxelas, pode significar problemas sérios para eventualmente ratificar o acordo comercial entre UE e o Mercosul.

A pandemia também mergulha o país numa crise de reputação internacional. Pelos jornais internacionais, fotos de Bolsonaro são acompanhadas por palavras como "caos", "catástrofe", "morte" e "populismo".

Não faltaram ainda protestos, como o que um artista organizou na fachada da embaixada do Brasil em Paris, sede justamente de um dos diplomatas mais vocais na defesa do bolsonarismo.