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Jamil Chade

Na presidência da UE, Merkel é pressionada a frear acordo com Mercosul

Bolsonaro e Merkel na cúpula do G20 em junho; ocasião em que Brasil e Alemanha trocaram farpas a respeito de política ambiental - Reuters
Bolsonaro e Merkel na cúpula do G20 em junho; ocasião em que Brasil e Alemanha trocaram farpas a respeito de política ambiental Imagem: Reuters

Colunista do UOL

01/07/2020 04h00

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A chanceler Angela Merkel assume a presidência temporária da UE a partir dessa quarta-feira, pressionada por entidades de direitos humanos e ambientalistas para que não assine o acordo com o Mercosul. O tratado foi fechado no ano passado e agora precisa contar com a ratificação dos 27 países europeus.

Merkel, em seu "programa de governo" para a UE, havia colocado o Mercosul como uma de suas prioridades. Mas, sob forte críticas, o acordo terá sérias dificuldades para avançar nos próximos meses.

Esse será o "adeus" da alemã no comando da UE e quer deixar seu legado. Merkel tem a China como sua maior prioridade na política internacional e, no plano doméstico, vive seu maior desafio com uma recessão que pode ameaçar a sobrevivência do bloco europeu. Mas ela sabe que também precisa fechar o acordo com o Mercosul, inclusive para evitar que a Europa perca espaço geopolítico na América do Sul. Não por acaso, a chancelaria alemã indicou de forma clara que o avanço do processo com o Mercosul é uma de suas prioridades do ano.

Entre seus diplomatas, a ordem é a de buscar um consenso nos bastidores para permitir avançar com o projeto até o final de 2020. Para isso, ela precisará convencer os demais parceiros europeus de que a abertura do mercado do Brasil é fundamental para as exportações e, portanto, para os empregos na Europa. Além disso, terá de convencer o Mercosul a dar sinais claros de compromisso com o meio ambiente.

Mas Merkel enfrentará uma dura resistência, em casa e no restante da Europa. Emmanuel Macron, presidente da França, usou a carta ambiental contra o Mercosul nesta semana, depois de ver seu partido ameaçado pelo movimento ambientalista nas urnas no fim de semana, durante a eleição municipal.

Três parlamentos diferentes já votaram contra, em moções simbólicas, enquanto um processo foi aberto em Bruxelas por entidades para tentar frear o projeto. Na segunda-feira, o governo alemão foi alvo de um protesto por parte de mais de 60 entidades contrárias ao tratado.

Supermercados europeus também têm sido alvo de campanhas por parte de ambientalistas e grupo de consumidores, que atacam o comércio com o Brasil.

Numa carta enviada ao governo em Berlim, mais de 250 entidades europeias apelaram para que o tratado não siga para ratificação. "É difícil encontrar um acordo tão obsoleto, tanto em sua concepção quanto em sua implementação política, como o acordo UE-Mercosul", alertaram.

A iniciativa contou nesta semana com grupos como a Conferência de Bispos da Áustria, a entidade Slow Food Europe, Ligue des droits de l'Homme, Greenpeace. Friends of the Earth e alguns dos maiores sindicato da Holanda e Espanha, além de representantes da Itália, Alemanha, Portugal, Irlanda e França.

Para o grupo, o acordo UE-Mercosul implica num "agravamento da destruição ambiental e da crise climática através da expansão das exportações de automóveis e a extensão das monoculturas e pastagens".

"A produção de carne e soja continua a acelerar a destruição da floresta amazônica, do Cerrado e das florestas tropicais secas do Chaco, essenciais para a estabilização do clima global e para a biodiversidade", afirma. "O acordo recompensará essas práticas", acusam.

Para o grupo, o acordo não contém nenhum mecanismo para assegurar que as partes respeitarão os compromissos internacionais que foram listados nas disposições sobre desenvolvimento sustentável. "Embora as consequências ambientais sejam muito concretas, as disposições para evitá-las são insuficientes", alertam.

Bolsonaro, direitos humanos e indígenas

Mas a questão ambiental não é o único obstáculo. As acusações de violações de direitos humanos também passaram a pesar.

"Muitos líderes indígenas e ativistas ambientais dos países do Mercosul foram assassinados, incluindo cinco só no Brasil entre novembro de 2019 e abril de 2020", disseram as entidades. "Sob o governo do Presidente Jair Bolsonaro em particular, as violações dos direitos humanos contra minorias, membros da oposição, assim como o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores, estão aumentando", alertaram na carta.

"Ao concluir um acordo comercial com governos que promovem políticas repressivas e de saque, a UE está recompensando as violações dos direitos humanos, em clara contradição com seus próprios valores democráticos. Os aumentos na participação de mercado que resultariam deste acordo são mais incentivos para cometer tais abusos", denunciam.

Covid-19 como argumento

No argumento contra o Brasil, até a pandemia passou a ser usada. Segundo as entidades, a covid-19 "deve nos lembrar que a destruição da biodiversidade e a busca do crescimento econômico desenfreado e globalizado expuseram a humanidade a grandes ameaças".

"O status quo não é mais uma opção. O acordo com o Mercosul nos leva de volta ao passado. Em vez disso, a política comercial deve apoiar cadeias de valor deslocalizadas e mais curtas, menos susceptíveis de serem perturbadas, e que ofereçam maior liberdade para que os governos criem sistemas alimentares e de saúde resilientes e descentralizados, e maior capacidade para produzir medicamentos e equipamentos médicos em nível regional", defendem.

"A UE precisa transformar seus objetivos de política comercial e avançar para regras multilaterais que apoiem e estejam subordinadas às políticas ambientais, sociais e de direitos humanos, que levem em conta os limites do planeta e que promovam a paz. Em vez disso, este acordo acentuará as assimetrias comerciais entre os blocos, aumentará o desemprego, destruirá o meio ambiente e porá em perigo a saúde das pessoas de ambos os lados do Atlântico", completam.

Impacto insignificante

Mas não é isso o que estudos realizados por governos mostram. Na Suíça, que assinou um tratado separado com o Mercosul, a pressão também está sendo intensa para bloquear sua ratificação.

Mas, de acordo com estudos publicados nesta semana por Berna, não existem motivos ambientais que justifiquem um afastamento do Brasil.

Um primeiro estudo - realizado pelo Instituto Mundial de Comércio da Universidade de Berna - concluiu que, em 2040, o aumento das emissões de gases de efeito estufa devido ao acordo seria de apenas 0,1% na Suíça, 0,02% nos estados do Mercosul e 0,0004% globalmente. Já a poluição do ar aumentaria em cerca de 0,2% na Suíça.

Os modelos ainda indicam que o aumento do desmatamento devido ao acordo poderia variar entre 0,02% e 0,1%, no pior dos cenários.