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Lula e Dilma sugerem que derrubada de brasileiro pela OEA foi retaliação

Luiz Inacio Lula da Silva e Dilma Rousseff durante evento em Paris - Charles Platiau/Reuters
Luiz Inacio Lula da Silva e Dilma Rousseff durante evento em Paris Imagem: Charles Platiau/Reuters

Colunista do UOL

28/08/2020 13h24

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Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rouseff se unem a outros ex-políticos para atacar a decisão da cúpula da OEA de vetar o brasileiro Paulo Abrão para o cargo de secretário-geral da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Abrão foi derrubado do posto por uma decisão do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, dirigente máximo da entidade e que foi apoiado há poucos meses pelo Brasil, Colômbia e EUA.

A Comissão é o principal órgão de direitos humanos das Américas e, ainda que vinculado à OEA, goza de uma autonomia.

Lula e Dilma fazem parte de uma declaração conjunta do Grupo de Puebla, que conta ainda com o ex-presidentes do Equador, Rafael Correia, da Colômbia, Ernesto Samper, o ex-chanceler Celso Amorim e outros nomes da região.

Abrão foi escolhido para o cargo em 2016 e, neste mês, teria seu mandato renovado. Por unanimidade, a Comissão Interamericana aprovou em janeiro o nome do brasileiro para o período até 2024. Mas, para a surpresa do órgão, o nome do jurista acabou sendo bloqueado pelo Almagro.

Oficialmente, o veto ocorreu por conta de "denúncias administrativas" contra o brasileiro. Almagro insiste que existem 61 queixas contra o brasileiro e que, portanto, sua decisão foi simplesmente a de impedir que ele continue no cargo.

A coluna apurou que, entre alguns os governos, as suspeitas são de que as questões administrativas sejam apenas pretextos e que a meta era a de enfraquecer o trabalho da Comissão em sua apuração de abusos de direitos humanos.

Na declaração assinada por Lula e Dilma, a possibilidade de uma retaliação política não é afastada. Os ex-presidentes "não descartam que a interferência do Secretário (da OEA) seja uma resposta às recentes decisões adotadas pela CIDH a respeito da perseguição de líderes políticos progressistas pelos governos do Equador, Bolívia, Chile e Colômbia", disseram.

Nesses países, Abrão e a Comissão denunciaram as violações de direitos humanos e ações ilegais por parte de certos grupos políticos. Alguns desses grupos políticos, como na Bolívia, contam com o apoio do governo de Jair Bolsonaro.

"O Secretário Abrão tem um histórico notável de serviço na defesa dos direitos humanos. Como Diretor do Instituto Mercosul de Direitos Humanos, ele delineou o curso da política de direitos humanos na América do Sul e defendeu casos históricos contra violações de direitos humanos em vários países e em vários momentos da história política recente", defenderam. O brasileiro foi o secretário nacional de Justiça durante o governo do PT e presidiu a Comissão da Anistia.

"O Secretário Almagro, por causa de seu registro questionado à frente da OEA e das disposições estatutárias da OEA, não tem autoridade moral ou legal para sancionar a conduta do secretário Abrão", completam.

Irredutível

A crise ainda ganhou um novo capítulo nesta sexta-feira, com a declaração de Almagro de que não irá modificar sua posição e acusando as entidades de direitos de humanos de uma "campanha de desinformação".

Ele garante que não vai participar da escolha do novo nome para o cargo de Abrão. Mas "reitera que de forma alguma incorporo ou reincorporo qualquer pessoa sobre a qual 61 reclamações estejam penduradas".

"Além da presunção de inocência, desconhece a gravidade destes fatos e que a CIDH teve mais de um ano para materializar esta presunção de inocência, transferindo as informações fornecidas pelo Ombudsperson para os órgãos correspondentes da OEA", disse.

"Pelo contrário, os Comissários, após terem sido informados disso, inclusive por mim mesmo, em vez de procurar o esclarecimento mais rápido possível dos fatos denunciados (a saber: conflito de interesses, tratamento diferenciado, sérios reveses na transparência dos procedimentos, retaliações e violações do código de ética, impunidade para alegações de assédio sexual, para mencionar alguns) procederam quase imediatamente para expressar sua disposição de renovar o então Secretário Executivo para um novo mandato", disse Almagro.

Ele ainda atacou as entidades que o questionaram, inclusive a ONU de Michelle Bachelet e a Human Rights Watch.

Sua recusa em dialogar levou o governo do México a declarar que a OEA está "encabeçada por uma pessoa que não entendeu nem suas funções e nem a magnitude de seu cargo". "A OEA passa, sem dúvida, pelo período mais escuro de sua história", declarou o chefe da divisão de organismos regionais da chancelaria mexicana, Efrain Guadarrama.

Enquanto a crise se aprofunda, o governo brasileiro deixa claro que não irá sair ao resgate do brasileiro e que, de fato, respalda a ação da OEA.

O comportamento do governo brasileiro representa um racha dentro do Mercosul. O governo da Argentina emitiu um comunicado em que se nega a aceitar a ingerência da cúpula da OEA na Comissão, que é o principal órgão de direitos humanos nas Américas. Ainda que vinculada à OEA, ela tem uma ação autônoma.

"O governo brasileiro considera que a decisão é prerrogativa estrita do Secretário-Geral da OEA", declarou o Itamaraty. A frase foi interpretada por membros da CIDH como uma sinalização de que o governo não fará esforços para manter Abrão no cargo e que considera que Almagro está em seu direito de veta-lo.

"Conforme o artigo 21, inciso 3 do estatuto da CIDH, "o Secretário Executivo será designado pelo Secretário-Geral da Organização em consulta com a Comissão", explica o Itamaraty.

Em sua resposta à coluna, o Itamaraty ainda indicou que o "governo brasileiro tem mantido diálogo institucional com a Secretaria Executiva, respeitando a autonomia e independência da CIDH e suas competências estatutárias convencionais".

"Junto com outros países, o Brasil tem buscado, ademais, atuar para o aperfeiçoamento constante da Comissão", afirmou.

Em 2019, de fato, o Itamaraty assinou uma carta para alertar Abrão a respeitar a autonomia dos estados. O recado foi interpretado como um sinal de o governo Bolsonaro não aceitaria críticas por parte do órgão.

O próprio Almagro foi reeleito neste ano e foi apoiado por Brasil e Colômbia diante de seu papel contra o regime de Nicolas Maduro. Mas, segundo fontes de alto escalão dentro da entidade, foi pressionado a não renovar o mandato do brasileiro, que tinha a função de apurar violações de direitos humanos pelo continente.

O posicionamento do Brasil vai no sentido contrário à postura adotada por México ou pela Argentina. Ambos indicaram que a decisão de Almagro era "inaceitável" e que estava minando o sistema de direitos humanos da região.

Nesta quinta-feira, foi a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU Michelle Bachelet quem pressionou e pediu que OEA tome "medidas imediatas para acabar com seu impasse com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a liderança executiva da Comissão". Ela enfatizou a importância de garantir que a "independência, autonomia e eficácia bem estabelecidas da CIDH não sejam minadas".

No Brasil, mais de 130 entidades brasileiras se mobilizam para protestar contra a decisão da OEA, alertando para o risco de um enfraquecimento do sistema de direitos humanos na região, num momento de ameaças à democracia em diversos locais, inclusive no Brasil. Além das entidades, mais de 70 parlamentares brasileiros também já protestaram.