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Jamil Chade

Às vésperas da eleição, Trump dificulta entrada do aço brasileiro

Jair Bolsonaro e Donald Trump - Alan Santos/PR via BBC
Jair Bolsonaro e Donald Trump Imagem: Alan Santos/PR via BBC

Colunista do UOL

29/08/2020 19h51

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Resumo da notícia

  • Cotas para certos produtos siderúrgicos do Brasil serão reduzidas para o mercado americano
  • Trump cita dificuldades no setor dos EUA e Itamaraty não critica decisão, apenas mantendo expectativa de uma recuperação da siderurgia americana
  • Setor é considerado como fundamental para base republicana em eleição em novembro

O governo de Donald Trump anuncia novas barreiras aos produtos siderúrgicos do Brasil, em mais um episódio que revela os limites da relação supostamente privilegiada que o Planalto acredita manter com a Casa Branca. A decisão é tomada às vésperas da eleição presidencial nos EUA, num setor crítico para o apoio de Republicanos.

Já o governo brasileiro evitou criticar a decisão, numa reação interpretada até mesmo dentro do Itamaraty como um sinal do apoio de Bolsonaro na reeleição do aliado em Washington.

Depois de quase um mês de negociações, o presidente americano anunciou na sexta-feira que reduziu as cotas para as importações de certos produtos siderúrgicos do Brasil, reabrindo um patamar estabelecido em 2018 entre os dois países. Para os exportadores, o temor era de que houvesse um incremento das tarifas de importação, o que acabou sendo evitado. Ainda assim, o pacote significa que o Brasil poderá vender menos.

Para justificar sua decisão, Trump alegou que uma contração no mercado americano de aço. "As importações da maioria dos países diminuíram este ano de forma proporcional a esta contração, enquanto as importações do Brasil diminuíram apenas ligeiramente", escreveu Trump, em sua nova decisão.

De acordo com ele, seu secretário de comércio o informou de "mudanças significativas no mercado siderúrgico dos Estados Unidos desde o momento que decidi excluir, a longo prazo, o Brasil da tarifa proclamada na Proclamação 9705, conforme emenda". Ele se referia a uma decisão anterior de não subir tarifas aduaneiras contra os produtos brasileiros.

"O mercado siderúrgico dos Estados Unidos contraiu-se em 2020. Depois de aumentar em 2018 e 2019, os embarques de aço pelos produtores nacionais até junho deste ano são aproximadamente 15% inferiores aos embarques do mesmo período em 2019, com embarques em abril e maio deste ano mais de 30% inferiores aos embarques dos mesmos meses em 2019", disse Trump.

"O Secretário me informou ainda que a taxa de utilização da capacidade ajustada dos produtores domésticos até 15 de agosto de 2020 está abaixo de 70% e que a taxa atual está próxima ou abaixo de 60% desde a segunda semana de abril", explicou. "O Brasil é também a segunda maior fonte de importação de aço para os Estados Unidos e a maior fonte de importação de produtos de aço semi-acabados. Além disso, as importações da maioria dos países diminuíram este ano de forma proporcional a esta contração, enquanto as importações do Brasil diminuíram apenas ligeiramente", destacou.

A medida afeta o coração da exportação de aço do Brasil, já que os produtos semi-acabados representam mais de 80% do fornecimento brasileiro aos EUA e significam receita de quase US$ 2 bilhões.

Havia uma ameaça de que os produtos brasileiros tivessem uma sobretaxa de 25%, o que conseguiu ser evitado depois de um período de negociações. Ainda assim, a redução da cota é um sinal negativo para as exportações brasileiras.

"Os Estados Unidos e o Brasil realizarão novas consultas em dezembro de 2020 para discutir o estado do comércio de aço entre os dois países à luz das condições de mercado então prevalecentes", indicou.

Desde que assumiu, o presidente Jair Bolsonaro passou a manter Washington como a prioridade em sua política externa. O governo brasileiro deu acesso ao trigo americano, abandonou o status de país em desenvolvimento, cedeu em questões estratégicas e modificou votos históricos do país na ONU para se alinhar com o voto americano.

A expectativa era de que, com isso, haveria uma retribuição do governo americano em diversas áreas, inclusive no setor comercial.

Brasil não critica decisão e nem ameaça levar caso à OMC

O Itamaraty, numa nota divulgada na noite deste sábado, manteve a esperança de que um acordo será encontrado com a Casa Branca e evitou tecer qualquer tipo de crítica à decisão que gera perdas de receitas aos exportadores. O governo brasileiro, às vésperas da eleição de seu aliado em Washington, ainda sinalizou que espera uma recuperação do setor siderúrgico americano.

O conteúdo não sugere qualquer iniciativa para questionar a cota na OMC ou abrir qualquer tipo de tensão contra o aliado em um momento decisivo para sua manutenção no poder.

"O governo dos EUA anunciou a redução da quota para as exportações de aço semi-acabado do Brasil", afirma o governo. "A medida mantém a isenção de tarifas sobre o comércio bilateral do produto intra-quota, a exemplo do que ocorreu em 2019 como resultado de contato entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump", apontou.

"O governo brasileiro mantém a firme expectativa de que a recuperação do setor siderúrgico dos EUA, o diálogo franco e construtivo na matéria, a ser retomado em dezembro próximo, e a excepcional qualidade das relações bilaterais permitirão o pleno restabelecimento e mesmo a elevação dos níveis de comércio de aço semi-acabado", disse o Itamaraty.

"Essa perspectiva coaduna-se com os atuais esforços conjuntos de integração ainda maior das economias dos dois países", completou.