Covid-19: em carta, ONU pressiona Brasil sobre ações de governo na pandemia
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Resumo da notícia
- Documento enviado às autoridades pede que governo explique o que está fazendo para proteger indígenas, afro-descendentes e quilombolas
- Carta é interpretada como sinal de mal-estar diplomático entre os organismos internacionais e o Brasil
Uma carta enviada pela ONU (Organização das Nações Unidas) ao governo brasileiro no dia 7 de agosto cobra respostas das autoridades em Brasília sobre as medidas adotadas pelo país para lidar com a pandemia do coronavírus entre indígenas, afrodescendentes e quilombolas.
A cobrança não implica uma sanção, já que a ONU não tem tais poderes. Mas escancara o mal-estar internacional e coloca pressão sobre um governo que já passou a ser alvo semanal de denúncias internacionais por suspeitas de graves violações de direitos humanos, inclusive com queixas ao Tribunal Penal Internacional.
O pedido de esclarecimento foi feito pelo Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação Racial. O órgão debateu a situação brasileira em sua última reunião e, diante das denúncias recebidas, optou por acionar o governo brasileiro.
A diplomacia brasileira confirmou a recepção da carta e indicou que está trabalhando para coletar dados para as respostas.
Nas próximas semanas, novas críticas contra o Brasil deverão ser lançadas por parte de outros organismos da ONU, às vésperas da Assembleia Geral em Nova York, no final de setembro.
No texto da carta obtido pela coluna, o Comitê das Nações Unidas aponta que recebeu informações sobre "a discriminação estrutural e generalizada que afeta os povos indígenas, afrobrasileiros e quilombolas" e que com isso "tem sido exacerbada pela seriedade e magnitude da propagação da covid-19".
Preocupação com mulheres
"Mais especificamente, as informações afirmam que os persistentes desafios enfrentados por essas populações no acesso ao emprego adequado, segurança social, alimentação, água e saneamento adequados, saúde e educação têm sido agravados no contexto da pandemia", alerta o comitê, composto por 18 peritos independentes. A carta, em nome de todos, é assinada pela presidente do órgão, a chinesa Yanduan Li.
Uma especial preocupação é com as mulheres desses grupos, que seriam "desproporcionalmente afetadas pela crise, intensificando as múltiplas formas de discriminação que já as afetam e expondo-as ao aumento da violência baseada no gênero".
O acesso à informação, material de higiene e a testes foi outro ponto na agenda do órgão.
A ONU questiona ainda sobre exclusão social, marginalização e pobreza, que têm colocado esses grupos em maior risco de contaminação e transmissão da covid-19. Isso estaria refletido no alto número de casos entre esses grupos, além das altas taxas de mortalidade em comparação com o resto da população.
Conflito agrário
De acordo com as informações recebidas, durante a crise da covid-19, a apropriação de terras e os conflitos sobre as terras e territórios dos povos indígenas aumentaram.
"A violência e o uso excessivo da força contra afrobrasileiros, incluindo as mulheres, também piorou", diz o documento, que alega que mulheres indígenas, afrobrasileiras e quilombolas, assim como mulheres defensoras dos direitos humanos, têm sido vítimas de intimidação, ameaça e violência, incluindo violência sexual, psicológica e física.
As informações recebidas também alegam que, dados abrangentes e desagregados sobre o impacto da pandemia não são coletados sistematicamente em nível nacional ou local, tornando difícil avaliar a situação desses grupos e adotar medidas, políticas e planos informados e apropriados para abordar efetivamente suas necessidades específicas no contexto desta crise.
Os questionamentos da ONU
(a) As medidas para enfrentar os desafios de saúde e socioeconômicos da pandemia e seus efeitos adversos no exercício e gozo dos direitos humanos dos povos indígenas, afro-brasileiros e quilombolas, indicando se tais medidas foram elaboradas em consulta com esses grupos e levando em conta suas necessidades específicas, cultura e tradições;
b) As medidas adotadas para garantir que os povos indígenas, afro-brasileiros e quilombolas tenham acesso, sem discriminação, a cuidados e tratamentos médicos de qualidade e culturalmente adequados, bem como a testes COVID-19; informações precisas e culturalmente adaptadas; materiais de higiene, limpeza e desinfecção; bem como à ajuda emergencial à renda fornecida no contexto da pandemia;
(c) Projetos para atender às necessidades específicas das mulheres indígenas, assim como das mulheres afro-brasileiras e quilombolas no contexto da pandemia, particularmente para garantir seu acesso a empregos adequados, educação e serviços de saúde, incluindo saúde sexual e reprodutiva; sua participação nos processos de tomada de decisão, assim como medidas para combater a violência de gênero contra as mulheres no contexto da pandemia;
d) Ações para coletar informações abrangentes, desagregadas e confiáveis sobre o impacto da COVID-19 nos povos indígenas, afro-brasileiros e quilombolas, a fim de avaliar sua situação e informar a elaboração e implementação de políticas e planos específicos.
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