Postura do Brasil na ONU sobre Intersexo causa indignação entre ativistas
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Ativistas e especialistas brasileiros criticaram a decisão do governo brasileiro de se manter fora de uma declaração feita por 34 países de todas as partes do mundo, na ONU, que apelaram para que o Conselho de Direitos Humanos da entidade atue para proteger de forma urgente as pessoas intersexo em sua autonomia corporal e direito à saúde.
A iniciativa foi conduzida pelo governo da Áustria, com o apoio da França. Entre os países latino-americanos, o projeto contou com o apoio da Argentina, Uruguai, Panamá, Chile, Costa Rica e México. A coluna apurou que novos países ainda poderão aderir à iniciativa, caso haja interesse de capitais em se aliar ao projeto.
Procurado, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos indicou que não recebeu informação sobre a iniciativa. O Itamaraty, até o momento, não se pronunciou.
Ao longo dos últimos meses, o governo tem adotado uma postura na ONU de defender a existência apenas do sexo biológico, com termos como "igualdade de gênero" sendo evitado. Nesta semana, o governo brasileiro também ficou de fora de uma iniciativa de 50 países para pressionar a Polônia a respeitar os direitos da comunidade LGBTI.
Diante da revelação feita pela coluna, ativistas e especialistas ligados às entidades como Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI) e o Observatório Intersexo emitiram um protesto conjunto. Assinam o documento os acadêmicos Amiel Vieira (UFRJ), Anacely Guimarães Costa (UNIVASF), Barbara Gomes Pires (NuSEX / Museu Nacional / UFRJ), Marina Cortez (Fiocruz / Instituto Equit) e Paula Sandrine Machado (UFRGS).
"Foi com extrema indignação e preocupação que recebemos a notícia de que o governo brasileiro não aderiu à apelação ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), levada a cabo por mais de 30 países do mundo (como Áustria, França e, entre os países latino-americanos, Argentina, Uruguai, Panamá, Chile e Costa Rica), para que a entidade atue no sentido de proteger, em caráter de urgência, as pessoas intersexo em sua autonomia corporal e direito à saúde", afirmam.
"Esse evento, sem precedentes, é um marco no reconhecimento dos danos físicos e emocionais, bem como das violações de direitos, a que pessoas intersexo têm sido expostas ao longo da história, com destaque às intervenções médicas não emergenciais, desnecessárias, não consentidas e mutiladoras, como apontam pesquisas e organizações da sociedade civil em âmbito nacional e internacional", afirmaram.
Segundo eles, as pessoas intersexo continuam a ser marcadas pela violência e pelo estigma ao terem seus corpos ajustados com cirurgias e medicamentos a fim de se adequarem, desde a primeira infância, aos parâmetros essencialmente binários de como corpos de homens e mulheres devem funcionar.
"Entretanto, diversos estudos mostram que os corpos variam muito em relação às características sexuais e que a intersexualidade abriga uma variedade de diferenças corporais que não necessariamente acarretam prejuízos à funcionalidade fisiológica ou risco de vida", afirmam.
"Ao contrário, existem hoje inúmeras evidências dos possíveis malefícios físicos gerados por intervenções precoces e irreversíveis, além dos riscos à saúde mental que os procedimentos costumam produzir saúde mental que os procedimentos costumam produzir", apontam.
Em 2006, os chamados Princípios de Yogyakarta já previam, no item B relativo ao Princípio 18 ("Proteção contra Abusos Médicos"), que caberia aos Estados: "Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para assegurar que nenhuma criança tenha seu corpo alterado de forma irreversível por procedimentos médicos, numa tentativa de impor uma identidade de gênero, sem o pleno e livre consentimento da criança que esteja baseado em informações confiáveis, de acordo com a idade e maturidade da criança e guiado pelo princípio de que em todas as ações relacionadas a crianças, tem primazia o melhor interesse da criança" .
"Desse modo, reiteramos que é de suma importância que os Estados se esforcem para organizar legislações e protocolos que adequem manejos assistenciais e hospitalares com o objetivo de que os corpos dos bebês e das crianças com variações intersexuais não sejam mais violados nem tenham seus direitos desrespeitados", defendem os especialistas.
Para o grupo, qualquer intervenção dessa natureza deve ser decidida e autorizada pelas próprias pessoas intersexo, da mesma forma que homens e mulheres que tenham variações intersexuais, e que desejem, ao longo de seus crescimentos anatômicos, cognitivos e sociais, acionar qualquer tipo de recurso médico e assistencial com a segurança de um consentimento informado e esclarecido.
"Essa é uma posição embasada técnica e cientificamente, que está, cada vez mais, sendo reafirmada pelas organizações sociais de ativistas intersexo, por grupos de apoio dos familiares desses bebês e crianças, por pesquisadores e especialistas ao redor do globo, por médicos e associações com protocolos atualizados de atendimento, como também por várias instituições transnacionais de governança política. São grupos e entidades que estão atentos às proteções sociais e à dignidade humana da pessoa intersexo", afirmam.
"Por isso, reiteramos que o Estado Brasileiro deve pactuar com as melhores ações políticas que visem sustentar a integridade e a saúde física e psicológica da pessoa intersexo e dos seus familiares", completam.
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