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Jamil Chade

Enquanto EUA fazem guerra aberta à OMS, Brasil discretamente não paga verba

A OMS alertou que apenas um esforço global coordenado será capaz de eliminar a ameaça do SARS-CoV-2 - Reuters
A OMS alertou que apenas um esforço global coordenado será capaz de eliminar a ameaça do SARS-CoV-2 Imagem: Reuters

Colunista do UOL

11/10/2020 04h00

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O governo dos Estados Unidos (EUA) causou uma turbulência internacional ao anunciar que não iria enviar dinheiro à Organização Mundial da Saúde (OMS), como protesto diante do que considerou como um comportamento inadequado da agência em relação aos interesses chineses.

Mas, sem alarde, um outro país também não fez sequer uma transferência de recursos para a entidade que lidera a resposta à pandemia: o Brasil.

Dados obtidos pela coluna revelam que o governo brasileiro não pagou o quanto deve à agência em 2020. O Brasil tampouco pagou sua contribuição relativa ao ano de 2019. De fato, no ano passado, Brasília apenas depositou o quanto devia em 2018. Mas deixou as contas de 2019 e 2020 em aberto.

Hoje, o governo acumula a segunda maior dívida na entidade, em cerca de US$ 32 milhões. O valor representa mais de 10% do buraco de US$ 310 milhões que enfrenta o orçamento regular da OMS, num momento crítico de sua atuação no mundo.

Procurado, o Ministério da Economia — responsável por fazer os pagamentos — explicou que o governo "trabalha com vistas a compatibilizar o imperativo do ajuste fiscal com obrigações assumidas pelo país junto a organismos internacionais".

"Nos últimos anos, as leis orçamentárias anuais não lograram contemplar a integralidade dos compromissos junto às mais de 100 instituições internacionais a que o Brasil é associado", admitiu a pasta.

Pagamentos não são voluntários e Brasil pode perder voto

Apenas um país conta com uma dívida superior à brasileira: os EUA. Pelos dados das planilhas da agência de saúde, o governo americano deve US$ 200 milhões.

As planilhas também apontam que mais de cem países já quitaram todas suas dívidas ou fizeram pagamentos parciais em 2020.

As contribuições de governos não são voluntárias. Quando um país adere à entidade, passa a ter de pagar uma contribuição anual, com base no tamanho de sua economia e renda. A regra estabelece que, se um pagamento não for feito por mais de dois anos, o governo perde o poder de voto nas decisões da OMS.

Dívida vem de outros governos

A crise financeira envolvendo o Brasil nas instituições internacionais não é nova. Sob o governo de Dilma Rousseff (PT), parte dos pagamentos foram interrompidos, gerando um profundo mal-estar entre diplomatas brasileiros e os organismos da ONU (Organização das Nações Unidas).

Durante os meses do governo de Michel Temer (MDB), alguns desses atrasos foram quitados. Mas a dívida bateu novos recordes sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), superando os valores do governo Dilma.

Agora, a ausência de pagamentos por parte do Brasil à OMS coincide com um momento de críticas do Planalto e do Itamaraty contra a instituição. Adotando a mesma estratégia de Donald Trump, Bolsonaro ensaiou colocar a agência como a responsável pela crise internacional.

Ao longo dos meses, discursos da diplomacia brasileira passaram a pedir uma entidade mais forte e capaz de dar respostas à pandemia. Mas em nenhum momento o Itamaraty revelou que não havia repassado sequer um centavo para que a OMS possa trabalhar.

Ministério afirma que vai pagar "se houver espaço no orçamento"

Numa auditoria independente realizada na agência sobre os primeiros meses da resposta à pandemia, a conclusão foi que, de fato, a OMS teria de mudar. Mas parte da incapacidade de lidar com a crise vinha do fato de a agência ter um volume de recursos insuficientes para preencher seu próprio mandato.

"O exercício orçamentário de 2020 ainda está em andamento. Nesse contexto, ajustes à peça orçamentária estão sendo estudados e pagamentos serão realizados, caso haja espaço orçamentário no restante do ano", afirmou o Ministério da Economia brasileiro.

Na OMS, porém, dúvidas pairam sobre o argumento do Brasil. O governo, apesar de não ter orçamento para os US$ 32 milhões para a agência, destinou na semana passada R$ 800 milhões para a primeira parcela de pagamentos para fazer parte do consórcio internacional de vacinas, o Covax.