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Biden sai de aliança antiaborto com Brasil; Itamaraty não muda de posição

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva, no Palácio Itamaraty - O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva, no Palácio Itamaraty, fala sobre a situação política da Venezuela.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva, no Palácio Itamaraty Imagem: O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva, no Palácio Itamaraty, fala sobre a situação política da Venezuela.

Colunista do UOL

28/01/2021 19h38

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Resumo da notícia

  • Ordem Executiva assinada por Biden instrui seus diplomatas a retirarem adesão americana ao projeto costurado com Brasil
  • Ernesto Araújo e Damares Alves indicam que o país não mudará de postura sobre a questäo do aborto na agenda internacional
  • OMS, ONU e sociedade civil aplaudem medida de Biden

Numa ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden, o governo dos Estados Unidos abandona oficialmente a aliança que criou ao lado do Brasil para impedir que entidades internacionais e programas fizessem qualquer referência ao aborto e direitos reprodutivos. Procurado, o Itamaraty garantiu que o governo de Jair Bolsonaro não modificará sua posição sobre o tema.

A ordem na Casa Branca foi assinada nesta quinta-feira. "O Secretário de Estado e o secretário de Saúde, de forma apropriada, devem deixar de co-patrocinar a Declaração do Consenso de Genebra e notificar aos demais co-patrocinadores e signatários da retirada dos EUA", diz o texto.

Nessa aliança, o Brasil de Ernesto Araújo e Damares Alves eram aliados estratégicos e um bloco de cerca de 30 países foi formado, muitos deles de caráter autoritário ou populistas de extrema-direita.

Conhecida como Consenso de Genebra, o grupo argumenta que existiria uma manobra nas entidades internacionais para incluir termos como direito à saúde reprodutiva e sexual nos programas, o que abriria uma brecha para legitimar o aborto.

Na aliança, portanto, foi estabelecido que os governos reafirmariam a rejeição ao aborto e a defesa da família. Os países, ao assinarem a proposta, enfatizariam que "em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar " e que "quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional".

O temor do grupo é infundado. Em todos os textos aprovados na ONU (Organização das Nações Unidas) ou na OMS, qualquer referência a esses temas sempre vem acompanhado por um alerta de que leis nacionais devem ser respeitadas.

Brasil indica que não muda de posição

Procurado, o Itamaraty deixou claro que o Brasil "seguirá mantendo posição internacional coerente com seu histórico de defesa e promoção dos direitos humanos, em conformidade com a legislação nacional".

"O Brasil defende o papel central da família e o direito à vida, e rechaça o aborto como método de planejamento familiar. Como é de conhecimento, o aborto é considerado crime no Brasil, não sendo passível de punição em três casos: i) gravidez resultante de estupro; ii) risco de morte para a mãe; e iii) anencefalia", explicou a chancelaria.

"O Brasil co-patrocinou, juntamente com EUA, Egito, Hungria, Indonésia e Uganda, a Declaração sobre o Consenso de Genebra, que visa a promover os quatro pilares da coalizão dos países signatários: (a) melhor saúde para as mulheres; (b) promoção do direito à vida; (c) fortalecimento da família como unidade fundamental da sociedade; e (d) proteção da soberania nacional na política internacional", afirmou.

"A Declaração conta com a subscrição de 35 países, de todos os continentes, e continua aberta a adesão de outros. Até o momento, nenhum país signatário comunicou sua intenção de se dissociar do teor da Declaração", indicou o Itamaraty.

Procurado, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos no Brasil indicou que nada mudaria na postura doméstica ou internacional do governo de Jair Bolsonaro.

"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos continuará promovendo e defendendo os direitos de mulheres e meninas, no Brasil e no exterior, buscando sempre um diálogo construtivo com todos os países que se preocupam com o tema", apontou a pasta liderada por Damares Alves.

"O Brasil, ao lado dos Estados Unidos da América e outros 33 países, assinou, em outubro de 2020, a Declaração Consensual de Genebra, iniciativa que representa o compromisso articulado de um conjunto de nações que defendem a importância da proteção da vida e da promoção da saúde das mulheres, ao mesmo tempo em que reforçam o papel da família como unidade fundamental da sociedade a ser protegida e amparada pelo Estado", disse a pasta.

"Por meio da Declaração, o Brasil reiterou seu compromisso com a promoção da saúde feminina, inclusive a saúde sexual e reprodutiva, trabalhando com empenho para proporcionar um nível crescente de atenção e proteção às mulheres brasileiras, particularmente as grávidas em situação de vulnerabilidade", disse.

"O Consenso de Genebra também reitera que as recomendações internacionais relacionadas com o assunto devem ser implementadas pelos Estados nos termos e limites estabelecidos por suas leis domésticas", apontou.

"Ao enfatizar o caráter inalienável do direito à vida, o documento internacional em tela não busca incorporar novas regras ao Direito Internacional, nem revogar as vigentes. Relembra, todavia, que não há nada no Direito Internacional, muito menos no Direito Internacional dos Direitos Humanos que fundamente a existência de um suposto direito à interrupção voluntária da gravidez. Nesse sentido, a Declaração funciona como um anteparo aos frequentes ataques que o direito à vida sofre em alguns foros internacionais", destacou.

OMS, ONU e sociedade civil comemoram

Se o Brasil não modifica sua postura, a realidade é que a decisão de Biden foi amplamente comemorada pelas entidades internacionais. Um dos pontos centrais é que, ao mudar de postura, a Casa Branca volta a financiar entidades internacionais que tenham, em sua pauta, temas como acesso à educação sexual, direitos reprodutivos e direitos sexuais.

Trump havia desenterrado a "Política da Cidade do México", que se refere a um pacote de medidas criadas ainda nos anos 80. Elas exigiam que todas as ONGs e entidades recebendo recursos dos EUA se comprometam a não prestar qualquer serviço de aborto, aconselhamento sobre a opção de aborto, se referir ao aborto e nem fazer campanhas pelas liberação legal da prática.

Ao ser adotada por Trump, a medida havia secado o financiamento de US$ 15 bilhões para entidades que atendiam a meninas e mulheres em países mais pobres do mundo.

O fim da postura americana foi aplaudida pela OMS, que insistiu sobre o papel central que o atendimento a meninas e mulheres representa para a saúde global.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também comemorou. "Saúdo o anúncio da Administração Biden-Harris de restaurar o financiamento ao Fundo de População da ONU (UNFPA)", disse, numa referência a uma das instituições das Nações Unidas que tinha sido afetada pelo corte de dinheiro.

"A decisão transformará e salvará vidas de mulheres e meninas em todo o mundo, desde as emergências humanitárias mais urgentes até as comunidades mais remotas e difíceis de alcançar, e em todos os lugares entre elas", afirmou.

"Saúdo ainda o anúncio do Presidente Biden de rescindir a Política da Cidade do México. Esta Política tem levado ao corte de recursos não apenas dos serviços de saúde reprodutiva em todo o mundo, mas também, nos últimos anos, a serviços de saúde mais amplos, uma questão que, em meio à atual pandemia, tem se mostrado central para alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável. Juntas, estas decisões também enviam uma poderosa mensagem às mulheres e meninas em todo o mundo de que seus direitos são importantes", completou Guterres.