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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Com nova lei, Senado pressionará Executivo a acelerar acesso às vacinas

Manifestante no Rio de Janeiro pede vacinação - Manifestante no Rio de Janeiro pede vacinação
Manifestante no Rio de Janeiro pede vacinação Imagem: Manifestante no Rio de Janeiro pede vacinação

Colunista do UOL

20/04/2021 05h32Atualizada em 20/04/2021 14h43

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Resumo da notícia

  • Projeto cria procedimento para acelerar a transferência de tecnologia ao país, estipula lista de patentes e até remuneração
  • Proposta será submetida ao Senado na próxima semana e foi desenhada após consultas com OMS, governos estrangeiros, ONGs e ex-ministros da Saúde
  • Governo Bolsonaro surpreendeu parceiros pelo mundo ao rejeitar proposta de emergentes de suspender patentes de vacinas
  • Lei de patentes de 1996 não trazia detalhes sobre caminho a ser tomado para garantir licenças compulsórias

Um projeto que será apresentado na próxima semana ao plenário do Senado propõe modificações profundas na lei de patentes no Brasil, permitindo que haja maior velocidade na transferência de tecnologia e colocando pressão sobre multinacionais do setor farmacêutico, que podem ser eventualmente alvo de processos de quebra de patentes.

A proposta liderada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) foi costurada após consultas com diferentes grupos parlamentares, ex-ministros da Saúde, Itamaraty, governos estrangeiros, OMS e Médicos Sem Fronteiras.

O projeto foi recebido entre membros da sociedade civil e mesmo entre especialistas em organismos internacionais como um recado importante ao governo de Jair Bolsonaro, diante de sua postura de rejeitar qualquer suspensão de patentes de remédios.

Mesmo dentro do Senado, a proposta é vista como um sinal do Legislativo sobre o tema das vacinas e uma pressão para que o Executivo busque meios de negociar acesso às tecnologias para aproveitar a capacidade instalada no Brasil para a produção de doses.

Um texto inicial do senador Paulo Paim já lidava com a questão. Mas sua proposta era a de emitir praticamente de forma automática licenças compulsórias, o que causaria uma potencial violação dos acordos internacionais do país. O novo texto visa, portanto, superar esse problema e, ao mesmo tempo, garantir um processo ágil para uma eventual produção local de vacinas ou tratamentos.

Desde outubro do ano passado, o Brasil tem causado surpresa de parceiros internacionais ao abandonar sua tradicional posição nos órgãos multilaterais de defesa de flexibilidade de patentes, insistindo que, mesmo diante da pandemia, a propriedade intelectual precisava ser garantida.

A postura do governo reabriu o debate entre especialistas, atores da sociedade civil e parlamentares, principalmente diante da constatação de que o atual sistema de monopólio impediu um maior fornecimento de doses de imunizantes pelo mundo.

Para a OMS, Vaticano, entidades como Médicos Sem Fronteiras e governos de países emergentes, uma suspensão de patentes permitiria versões genéricas de vacinas fossem produzidas em laboratórios pelo mundo, ampliando a capacidade de fabricação no mercado internacional e reduzindo o preço.

No Brasil, o debate levou o Senado agora a avaliar uma mudança na legislação. A coluna obteve com exclusividade o texto do projeto de texto substitutivo ao Projeto de Lei 12/2021 e que estipula cenários mais acelerados para que transferências de tecnologia e um eventual licenciamento compulsório — quebra de patentes — sejam realizados, com regras e caminhos claros.

O objetivo não é o de necessariamente suspender patentes, mas criar pressão e procedimentos para que empresas que detêm tecnologias negociem transferências de conhecimentos dentro de um prazo estipulado e com regras pré-estabelecidas, em caso de emergência nacional.

O projeto que será submetido por Trad estipula ainda um prazo de 30 dias para a realização de todo o processo de licenciamento compulsório, o que pode limitar o poder arbitrário do Executivo fragiliza o lobby da indústria farmacêutica.

A aposta do senador é que a lei criará um caminho mais aceitável para o debate sobre a transferência de tecnologia. "Mas, ao mesmo tempo, impõe rapidez na tomada de decisões", disse. "A ideia é a de induzir titulares de patentes a negociar transferências de tecnologia e licenças voluntárias", explicou.

Covid-19 e outros cenários

Ainda que seja mais ampla que apenas uma lei para tratar da covid-19, o projeto propõe medidas concretas para lidar com a atual crise, entre eles caracterizar a pandemia como uma emergência nacional, o que abriria portas para iniciar eventuais processos de transferência de tecnologia de dezenas de produtos.

Também fica estabelecido que algumas patentes e pedidos de patente deverão necessariamente constar na lista elaborada pelo Executivo, com especial destaque para as vacinas.

Mas a proposta não se resume à pandemia e foi considerada como suficientemente flexível para preparar o país para futuras crises. O objetivo é que o Estado brasileiro não seja surpreendido a cada nova crise e precise elaborar novas leis em cada uma delas. Situações emergenciais demandam celeridade e, pelo texto, as possibilidades de declaração de emergência nacional são ampliadas. Na prática, isso permite que tal declaração não dependa exclusivamente de uma decisão do Poder Executivo.

Se aprovada, a proposta abrirá a possibilidade de que não seja apenas o governo quem declara uma quebra de patente e que uma situação de interesse público esteja prevista por lei.

Adicionalmente, o substitutivo prevê a possibilidade adicional de o processo de licenciamento compulsório ser iniciado em casos de estado de calamidade pública de âmbito nacional, decretados pelo Congresso Nacional.

O texto fala abertamente na possibilidade de licenciamento compulsório de pedidos de patente, o que na prática significa a quebra de propriedade intelectual em caso de necessidade. A proposta ainda define a remuneração que será paga ao dono original da patente, o que visa a dar segurança jurídica e impedir disputas legais.

Lista de patentes

Pela primeira vez, o projeto ainda aponta que, após a declaração de uma emergência nacional, de interesse público ou de um estado de calamidade pública de âmbito nacional, caberá ao governo publicar lista de patentes ou pedidos de patentes cujas licenças compulsórias atendem às suas necessidades.

Essa listagem precisa ocorrer de forma acelerada e nos 30 primeiros dias após a declaração de emergência.

De acordo com especialistas, uma das dificuldades diante de uma pandemia e mesmo em situações de normalidade é identificar os inúmeros pedidos de patente e patentes relacionadas a determinada tecnologia. No fundo, a inexistência de um monitoramento de novas tecnologias chega a ser considerada como mais uma barreira imposta pelo sistema de patentes.

A esperança com a lista é que o exercício crie um incentivo de melhor organização e disponibilização dessas informações. Potencialmente, isso fortaleceria a transparência sobre tecnologias.

Para desenhar a lista de patentes, a lei prevê a participação de órgãos públicos, instituições de ensino e pesquisa e entidades representativas da sociedade civil no processo, o que reduziria o risco de arbítrio por parte do Executivo. Qualquer instituição pública ou privada, portanto, poderá apresentar pedido para inclusão de patente na lista.

A lei ainda cria a obrigação de o dono de uma patente informações tecnológicas, o que é considerado como fundamental para que a licença compulsória possa ser eficiente e permitir uma produção local da tecnologia buscada.