Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

OMS: variante Delta está proliferando rapidamente

Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante entrevista coletiva em Genebra - Reprodução
Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante entrevista coletiva em Genebra Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

25/06/2021 13h43

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Resumo da notícia

  • Mutação identificada originalmente na Índia já chegou a mais de 80 países e acelera contágio entre pessoas não vacinadas
  • Risco, segundo OMS, é de que transmissão intensa gere novas mutações que escapem do efeito da vacina
  • Mundo repete com covid-19 erros da Aids no acesso a tratamento, diz OMS
  • Variantes continuarão a surgir se transmissão não for freada
  • OMS alerta que passaporte de vacina ameaça aprofundar desigualdade

Sem vacinas para os mais pobres e diante de uma nova variante que ganha o mundo, a pandemia entra em um momento crítico. O alerta é de Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, que deixou claro que está "preocupado" com o avanço da variante Delta, inicialmente detectada na Índia.

Para ele, se não houver uma ação para frear a transmissão do vírus e a intensificação de medidas sociais, o risco é de que novas mutações ocorram e que possam escapar da proteção das atuais vacinas.

Para a agência, com dezenas de países sem acesso às vacinas, a proliferação da mutação pode ter um impacto "devastador" e está ocorrendo de forma "acelerada".

"Delta é a mais transmissível entre as variantes, está se espalhando rapidamente entre os que não estão vacinados e já está em mais de 80 países", declarou Tedros, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira em Genebra. "Vemos uma maior transmissão pelo mundo", lamentou.

Segundo ele, o maior número de casos significa uma taxa maior de hospitalização e, portanto, uma maior pressão sobre o setor de saúde. "O risco de morte aumenta", alertou.

Novas mutações que escapem das vacinas

A OMS alerta, porém, que a variante delta não é a última a aparecer. "Novas variantes são esperadas. Isso é o que virus fazem", disse Tedros. O temor é de que, quanto maior for a transmissão, maior o risco de que uma mutação apareça que possa driblar os efeitos das vacinas que estão no mercado.

Hoje, todos imunizantes são capazes de lidar com as variantes. Mas isso pode mudar se novas mutações aparecerem.

Segundo Tedros, porém, esse cenário pode ser evitado se a transmissão do vírus for interrompida. "É simples: mais transmissão, mais variantes. Menos transmissão, menos variantes", disse.

Tedros, diante do cenário, voltou a pedir para que governos usem "todos os instrumentos" para impedir a continuação da transmissão. Isso inclui tanto a manutenção de medidas sociais, como distanciamento e uso de máscara, mas também a garantia de distribuição de vacinas.

"A situação é frágil", disse Maria van Kerkhove, diretor técnica da OMS. A especialista deixou claro que é ainda o momento de cautela no mundo, apesar das imagens de europeus e americanos voltando a festejar nas ruas. "A variante Delta é muito perigosa", disse. "Em alguns locais vemos trajetórias verticais de expansão", afirmou. Para ela, seja num churrasco ou num estádio, a sociedade ainda precisa manter as medidas de distanciamento e uso de máscara.

OMS: "Não temos vacinas" para os mais pobres

Num apelo no qual demonstrou sua impaciência, Tedros ainda deixou claro que a crise da escassez de vacinas atingiu um ponto crítico. De acordo com a OMS, o mecanismo Covax não recebeu nenhuma dose da AstraZeneca e nem da Janssen no mês de junho para ser distribuída aos países mais pobres.

Enquanto isso, menos de 2% da população africana foi vacinada. "A situação é terrível e ninguém tem dose para entregar pois outros estão fazendo demandas e vacinando seus jovens", criticou Bruce Aylward, em uma crítica aos países mais ricos.

Segundo ele, a África vive uma escala de proliferação da variante Delta, com um aumento de 50% nos casos.

Tedros não poupou críticas aos países ricos. Segundo ele, a situação na África está ficando "muito perigosa". "A diferença é entre os que têm e o que não têm. E isso mostra a injustiça e desigualdade do nosso mundo", declarou, visivelmente irritado.

"O mundo está fracassando. Estamos repetindo o mesmo erro da Aids, que levou 10 anos para que tratamentos chegassem aos países mais pobres. No caso do H1N1, a vacina apenas chegou aos países mais pobres depois que pandemia acabou. Não podemos aprender?", questionou.

Tedros afirmou que as pessoas estão "cansadas de lockdown" e que a reação das populações nos países ricos, vacinados, é a prova disso. "As pessoas estão felizes com a reabertura nos locais onde existe a vacina. E ai temos os outros, que estão
em confinamento sem vacinas", alertou.

O diretor da OMS também acusou países ricos de afirmarem que economias mais pobres não estão prontas para receber as doses, como argumento para não distribuir as vacinas. "Durante a Aids, também usaram esse argumento para justificar. Essa atitude precisa ficar no passado", disse.

Mike Ryan, diretor de operações da OMS, lembrou ainda que países em desenvolvimento têm ampla experiência em campanhas de vacinação. Para ele, tal postura dos países ricos é "paternalista" e "colonialista".

"Dê-nos as vacinas", insistiu Tedros. "Não há vacinas. E isso está levando a pandemia a ganhar dois caminhos. Os países que têm vacinas começam a reabrir. Os que não têm vivem situações sérias e mortes. Essa é a realidade agora", lamentou.

As novas previsões da Covax falam em entregas que ficariam a um patamar bem abaixo do que era planejado inicialmente. Apenas para a América Latina, a região terá 100 milhões de doses a menos do que se esperava em dezembro.

Passaporte digital cria "dupla desigualdade"

Para Mike Ryan, a disparidade ainda torna a ideia da criação de um passaporte de vacinação um obstáculo ainda maior para os países mais pobres. "Isso será uma dupla desigualdade. Pessoas sem vacinas e sem poder viajar", alertou.

A OMS não recomenda tais documentos, principalmente diante da escassez de doses e da disparidade que poderia ser ampliada. Para Ryan, tal instrumento somente poderia existir se houvesse uma garantia de vacinas para todos e a preços justos.