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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por alguns instantes, Rebeca reposiciona Brasil no mundo

Rebeca Andrade é ouro no salto das Olimpíadas de Tóquio - Ricardo Bufolin/CBG
Rebeca Andrade é ouro no salto das Olimpíadas de Tóquio Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

Colunista do UOL

02/08/2021 15h18

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Prezada Rebeca,

Nos últimos anos, quase sempre que escutamos a palavra "Brasil" em jornais no exterior, bom motivo não é. Permeados por crises e um processo de destruição de reputação, passamos da condição de um país simpático para uma referência à morte, destruição, incêndios, ódio e descontrole.

Tanto eu como você sabemos que nosso país não é só isso. Mas, diante do que vivemos nos últimos anos, era inevitável nossa transformação em um pária ambiental, sanitário e político.

Mas eis que teus saltos nos permitem voltar a sonhar e o mundo redescobre que também somos força, genialidade e perseverança.

Desde o fim de semana, o noticiário internacional passou a dar destaque às tuas conquistas. E, junto com elas, uma imagem de um país em busca de um resgate. Por alguns instantes, você reposicionou o Brasil no mundo.

No Guardian, você foi apresentada como uma pessoa cujo talento é equiparado ao mesmo nível de "resiliência e tenacidade" diante de tantos obstáculos.

Mas especialmente reveladora é a reportagem da NPR, nos EUA. "Ela tem 22 anos. Ela é negra. Ela vem de um bairro pobre da classe trabalhadora de São Paulo. Ela é filha de uma mãe solteira que tem oito filhos e costumava limpar casas e andava para o trabalho para economizar dinheiro para o treinamento de Rebeca", diz.

"Ela se tornou um símbolo do que pode ser alcançado contra as probabilidades", insiste o comentarista, citando tuas lesões.

"O Brasil vem passando por um momento terrível. Mais de 550.000 pessoas já foram mortas pela covid-19", explicou o narrador ao público estrangeiro e lembrando que "sob o presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, este país está dolorosamente polarizado, como os Estados Unidos".

Segundo ele, estamos "famintos por heróis". E Rebeca certamente está satisfazendo essa necessidade", disse. "As pessoas acabam de se apaixonar por ela", completou.

O mesmo comentarista estrangeiro ainda destaca como teu sucesso "é muito mais do que o esporte". "Está sendo abraçado aqui como uma inspiração para as mulheres, para as mulheres negras em particular", disse, lembrando a existência de um "profundo racismo institucional".

Assim como ele, outros tantos - CNN, Le Figaro, New York Times, etc - estamparam você em seus sites. Nenhuma campanha de conscientização, nenhum poster da Embratur, nenhum roadshow para atrair investidores jamais será capaz de ter a genuinidade de tua conquista.

Confesso que foi uma espécie de oxigênio. A esperança que, como a primavera de Neruda, vence qualquer destruição das flores.

A opção dos caminhos que tomaremos depende de nossas esperanças e você ajudou a milhões de pessoas a redefinir esse sentimento em qualquer comunidade. Ao superar tantos obstáculos, você traduz na prática a tese de que não existem fronteiras para a esperança. Apenas para a escuridão.

Teu ouro é suficiente? Obviamente que não. Mas ele é um recado sobre a existência de um outro país de uma força impossível de ser medida em pontos numa competição.

Ao subir ao pódio, você levou consigo as cores do Brasil. Não apenas aquelas da bandeira. Mas as cores de tua pele, da pele dos demais, do suor, de teu sorriso e da esperança.

Obrigado Rebeca.