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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Tedros diz ver ministros engajados, mas que não é hora de Brasil relaxar

Colunista do UOL

31/08/2021 04h00

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Resumo da notícia

  • Em entrevista exclusiva ao UOL, diretor-geral da OMS elogia Fiocruz e Butantan e diz que o Brasil poderá "ajudar outros países"
  • Tedros insiste que, apesar do comportamento mais positivo do governo diante das recomendações da OMS, não está no momento de "baixar a guarda"

No olho do furacão há mais de um ano e meio, o etíope Tedros Ghebreyesus não deixa dúvidas: não está na hora de o Brasil relaxar suas medidas de controle contra a pandemia da covid-19.

Em uma entrevista exclusiva ao UOL, nesta segunda-feira, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde) fez questão de apontar para uma nova atitude do governo brasileiro em relação ao organismo internacional e indicou que um aumento de produção de vacinas no Brasil é uma das apostas da agência de Saúde para garantir o maior abastecimento para o país e para toda a região latino-americana.

Questionado se o pior no Brasil havia sido superado e se era o momento de começar a retirar as medidas de controle, ele reagiu sem hesitar. "Não, não". "Não podemos baixar a guarda", disse.

Tedros falou com a reportagem às margens de um evento fechado em Genebra, organizado pelo Conselho Mundial de Igrejas e também com a presença de lideranças religiosas do mundo muçulmano e ex-ministros.

Segundo ele, a principal preocupação da OMS está associada com as mutações do vírus. "A variante delta é mais perigosa e, em muitos lugares, está assumindo o lugar do vírus", disse.

Mas o etíope apontou para o que acredita ser avanços no comportamento do Brasil diante da pandemia e ainda elogiou Marcelo Queiroga, ministro da Saúde. "Eu acho que ele está fazendo o seu melhor", disse.

"As coisas estão melhorando. Espero que o Brasil continue a pressionar na mesma direção", disse. Mas Tedros insiste que não há como declarar vitória. "Não é a hora de relaxar", repetiu. Questionado se achava o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) entendia isso, ele respondeu de forma positiva. "Sim, eles entendem", garantiu.

"Estamos engajados com eles e eles estão engajados com a OMS. Estamos trabalhando de forma muito próxima, numa interação muito regular", disse. Tedros, porém, admite que nem sempre foi assim.

Por meses, as falas de Tedros foram manipuladas pelo Palácio do Planalto, enquanto o então chanceler Ernesto Araújo fez questão de usar reuniões para esvaziar o poder da OMS e questionar suas recomendações. Atitudes similares foram tomadas ainda pelo ex-ministro Eduardo Pazuello e pela base mais radical do bolsonarismo, que chegou a pressionar por um confronto maior entre Brasília e Genebra e mesmo uma ruptura, repetindo as ações de Donald Trump que deixou a OMS.

As chegadas de Carlos França ao Itamaraty e de Queiroga a Saúde reabriram espaço para um diálogo entre o governo e a OMS, ainda que fortes dúvidas persistam na cúpula da entidade sobre o próprio Jair Bolsonaro.

Produção brasileira de vacinas é aposta

Na entrevista ao UOL, Tedros também insistiu que a solução passa por ampliar a produção de vacinas e "compartilhar mais". Nessa estratégia, uma das apostas é garantir uma maior produção de doses no Brasil, inclusive para iniciar exportações e fornecimento para a região latino-americana.

"Estamos colaborando [com o Brasil]", disse. Segundo ele, há um esforço para ampliar a produção da Fiocruz e do Instituto Butantan. Tedros ainda explicou que a mesma visão será usada numa operação em Bangladesh e na África do Sul. "Se cuidarmos mais do semelhante, isso terminará mais rápido", insistiu.

"Enquanto estamos lutando contra a pandemia neste momento, estamos debatendo como preparar Brasil para o futuro, especialmente na sua capacidade de produção de vacinas", explicou o etíope, que evitou dar a mão para a reportagem e manteve em todo o momento sua máscara.

"O Brasil pode ajudar a si mesmo e ajudar muitos países", disse. "O Brasil tem a capacidade e estamos falando com Fiocruz e Butantan, além de trabalhar com o Ministério da Saúde", explicou.

Durante o debate a líderes religiosos, Tedros citou a conversa com a reportagem do UOL, momentos antes de ele subir ao palco. "Acabei de conversar com um jornalista brasileiro e a mesma pergunta volta. Quando vai terminar a pandemia? Quando o mundo escolher acabar com ela. Está em nossa mão", disse.

De acordo com ele, o mundo hoje conta com mais instrumentos para lidar com a covid-19 que os meios para dar respostas a outras doenças. "Não há vacina para Aids, não há testes rápidos para tuberculose", disse.

"O custo está sob o nosso controle. Mas muitos países ainda estão vendo aumento de casos e de mortes", lamentou. Se em parte o motivo do aumento de casos está associado à falta de medidas consistentes por parte de governos e do aumento de aglomerações, Tedros insiste que a continuação da pandemia não se explica apenas por motivos epidemiológicos. "São razões econômicas, sociais e políticas", disse.

"Com sacrifício e ciência, a pandemia pode ser contida. Mas ela também expôs as falhas do nosso mundo", afirmou.

A principal "falha" seria a "ganância". "Temos mais de 5 bilhões de doses de vacinas administradas pelo mundo. Se elas tivessem sido distribuídas de forma equitativa, já teríamos controlado a crise", lamentou.

Mas, segundo ele, dez países no mundo consomem 75% de todas as vacinas. "Enquanto a África não consegue superar a marca de 2% de sua população vacinada, outros lugares contam com 60% de cobertura", disse.

Tedros tem como meta conseguir que 10% da população de cada país do mundo seja vacinada até setembro. "Mas apenas conseguiremos isso se atuarmos juntos", alertou. Hoje, no atual ritmo de distribuição de vacinas, a meta está ameaçada.

Números em queda no Brasil e casos estabilizados no mundo

Nos últimos dados divulgados pela OMS, na semana passada, o Brasil aparece em queda no número de novos casos por semana e na taxa de mortes.

Ainda assim, o país é um dos cinco maiores do mundo em termos de contaminações e um dos maiores em óbitos.

O maior número de novos casos foi registrado uma vez mais nos EUA, com um aumento de 15% em comparação à semana anterior e 1 milhão de registros. O segundo lugar é hoje ocupado pelo Irã, com 251 mil casos, seguido pela Índia, com 231 mil, e 219 mil para o Reino Unido. O Brasil apenas vem na quinta posição, com 209 mil casos em uma semana, uma queda de 1%.

Em termos de mortes, o Brasil continua tendo a segunda maior taxa das Américas, com 5,6 mil casos por semana, uma queda de 7% em comparação aos números da semana anterior. Pela primeira vez em meses, a situação americana voltou a superar a crise sanitária brasileira, com 6,7 mil óbitos e um aumento de 58% em comparação às taxas dos sete dias anteriores.

No mundo, a OMS aponta que a pandemia atingiu uma estabilização, mas em uma taxa extremamente elevada. Foram mais de 4,5 milhões de novos casos em uma semana e 68 mil mortos.