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Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalĂ­sticas reconhecidas e confiĂĄveis.

Relatores da ONU denunciam violĂȘncia contra candidatas negras no Brasil

A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) - Divulgação
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

05/01/2022 07h00

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Resumo da notĂ­cia

  • Carta confidencial diz que existe esforço para impedir que alguns grupos, incluindo mulheres afro-brasileiras, tenham acesso a cargos representativos.
  • ONU ainda se diz alarmada com o fato de que discurso de Ăłdio e ataques partem tambĂ©m de autoridades pĂșblicas

Em uma carta confidencial enviada ao governo brasileiro, relatores e organismos da ONU denunciam a violĂȘncia polĂ­tica contra deputadas, vereadoras e candidatas negras no Brasil. Segundo o documento, existe um esforço para tentar impedir que representantes de alguns grupos, incluindo mulheres afro-brasileiras, tenham acesso a cargos representativos e de tomada de decisĂŁo.

A carta, obtida pelo UOL, foi redigida Ă s vĂ©speras de um perĂ­odo eleitoral que promete ser tenso no paĂ­s e revela como peritos internacionais estĂŁo preocupados com a situação de opositoras e candidatas negras nas eleiçÔes. A denĂșncia, portanto, foi interpretada atĂ© mesmo dentro do governo brasileiro como um sinal do profundo mal-estar que existe hoje na comunidade internacional em relação Ă s garantias democrĂĄticas no Brasil.

O documento de denĂșncia de 12 pĂĄginas foi enviado em 29 de outubro de 2021. Ele Ă© assinado pelos relatores Tendayi Achiume, Irene Khan, Victor Madrigal-Borloz, Reem Alsalem, Dominique Day e pela presidĂȘncia do Grupo de Trabalho da ONU sobre Discriminação contra Mulheres.

"GostarĂ­amos de expressar nossa sĂ©ria preocupação com o aumento da violĂȘncia polĂ­tica contra as mulheres afro-brasileiras e, em particular, as mulheres afro-brasileiras transgĂȘneros", alertaram os signatĂĄrios da carta.

"Estamos seriamente preocupados que os persistentes ataques racistas, sexistas e transfóbicos contra as mulheres afro-brasileiras que são candidatas políticas, políticas ou que estiveram envolvidas em processos políticos constituam uma violação do princípio fundamental da não-discriminação no direito internacional dos direitos humanos", apontam.

Alguns casos sĂŁo citados. Mas os relatores admitem que eles nĂŁo sĂŁo os Ășnicos. "Estamos preocupados com a segurança das vereadoras Benny Briolly e Ana LĂșcia Martins e da deputada federal TalĂ­ria Petrone, que tĂȘm sido vĂ­timas de constantes ameaças racistas, sexistas e transfĂłbicas, discursos e mensagens de Ăłdio", aponta a carta.

"Esta forma de violĂȘncia polĂ­tica contra as mulheres afro-brasileiras e particularmente as mulheres afro-brasileiras transgĂȘnero revela o racismo estrutural e institucional difundido na sociedade civil brasileira, bem como as formas persistentes de discriminação intersetorial contra as mulheres e a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gĂȘnero que continuam a impedir sua participação e representação polĂ­tica igualitĂĄria nos processos de tomada de decisĂŁo", denunciam os relatores da ONU.

Na carta, os peritos descrevem com detalhes alguns dos ataques e ameaças sofridos pelas brasileiras que optam por buscar cargos pĂșblicos.

Segundo eles, em 2020, as eleiçÔes municipais foram tambĂ©m marcadas por atos de violĂȘncia eleitoral e polĂ­tica. "Entretanto, a violĂȘncia polĂ­tica nĂŁo se limita Ă s eleiçÔes e tornou-se uma questĂŁo mais geral, destinada a impedir que representantes de alguns grupos, incluindo mulheres afro-brasileiras e particularmente mulheres afro-brasileiras transgĂȘneros, tenham acesso a cargos representativos e de tomada de decisĂŁo", apontam.
"A violĂȘncia polĂ­tica e eleitoral nĂŁo Ă© isolada e tem sido utilizada como uma ferramenta para obter e manter o poder, impedindo o acesso de grupos sub-representados, incluindo mulheres afro-brasileiras e mulheres LGBTI", dizem.

Durante 2020, houve relatos de ameaças de morte e ameaças contra a integridade fĂ­sica e o livre exercĂ­cio dos direitos polĂ­ticos das mulheres afro-brasileiras, com ameaças especĂ­ficas transfĂłbicas e discursos de Ăłdio dirigidos contra mulheres afro-brasileiras transgĂȘneros.

Os relatores citam uma pesquisa realizada durante as eleiçÔes de 2020 no Brasil. Nela, 98,5% das candidatas afro-brasileiras que participaram da pesquisa relataram ter sofrido pelo menos um tipo de violĂȘncia polĂ­tica. "Foi estimado que 80% dessa violĂȘncia ocorreu na internet, incluindo ameaças, bem como expressĂ”es racistas, sexistas e transfĂłbicas", indica.

Em alguns casos, a violĂȘncia incluiu comentĂĄrios racistas motivados por motivos religiosos, visando candidatos negros que praticam religiĂ”es de origem africana. 43% das mulheres relataram ter recebido comentĂĄrios e ataques racistas e sexistas.

Na pesquisa, 29,3% das entrevistadas identificaram seus agressores como candidatos opositores, indivĂ­duos ou grupos militantes de partidos polĂ­ticos opostos, em alguns casos adotando ideologias neonazistas, racistas ou antifeministas.

Durante o período eleitoral, uma candidata afro-brasileira relatou ter sido agredida na rua por uma militante de um partido opositor, que disparou uma arma na sua direção.

As entrevistadas da pesquisa também expressaram que não confiam nos mecanismos de reclamação existentes e apenas 30% dos candidatos relataram os incidentes. Para os relatores da ONU, a realidade é que o fracasso em garantir adequadamente a segurança física das mulheres afro-brasileiras e o fracasso em efetivamente prevenir e remediar as ameaças de morte racistas, sexistas e transfóbicas e o assédio contra elas "poderia constituir uma violação dos direitos dessas mulheres sob as leis internacionais de direitos humanos".

Os casos citados levantam "sĂ©rias preocupaçÔes de que as mulheres afro-brasileiras, particularmente as mulheres afro-brasileiras transgĂȘnero, estejam enfrentando violaçÔes de seus direitos Ă  vida e Ă  segurança fĂ­sica devido Ă  violĂȘncia polĂ­tica".

Ataque vem de autoridades pĂșblicas e impunidade preocupa

Outro destaque ainda da denĂșncia Ă© a constatação de que parte dos ataques contra essas mulheres ocorre por parte de autoridades pĂșblicas. "É especialmente preocupante que estes casos envolvam casos de discursos de Ăłdio e assĂ©dio emanados de autoridades pĂșblicas e da aplicação da lei", diz. "Observamos com preocupação a natureza racista, sexista e transfĂłbica das ameaças relatadas, em contravenção ao princĂ­pio fundamental da nĂŁo-discriminação do direito internacional dos direitos humanos", aponta.

Para os relatores, os casos de violĂȘncia ilustram "a impunidade do discurso de Ăłdio racista contra mulheres afro-brasileiras que sĂŁo candidatas, eleitas e ativistas polĂ­ticas".

"Observamos especialmente que as acusaçÔes envolvem discursos de Ăłdio perpetuados e instigados por atores pĂșblicos; sobre as informaçÔes recebidas, tais discursos de Ăłdio fizeram com que mulheres afro-brasileiras politicamente ativas, e particularmente mulheres afro-brasileiras transgĂȘneros, temessem por sua segurança fĂ­sica, restringissem suas atividades polĂ­ticas, mudassem de residĂȘncia, e atĂ© mesmo fugissem do Brasil", denunciam.

Para eles, um princĂ­pio fundamental do direito internacional dos direitos humanos Ă© que todas as pessoas tenham o direito de participar dos processos polĂ­ticos sem discriminação. Para isso, os estados devem assegurar que as autoridades em todos os nĂ­veis de governo respeitem o direito dos membros das comunidades de pessoas de ascendĂȘncia africana de participar das decisĂ”es que as afetam.
"Os Estados devem tomar medidas especiais e concretas para garantir Ă s pessoas de descendĂȘncia africana o direito de participar de eleiçÔes, votar e candidatar-se a eleiçÔes com base no sufrĂĄgio igual e universal e ter a devida representação em todos os ramos do governo", insistem.

"É especialmente preocupante que o padrĂŁo de abusos mostre tanto funcionĂĄrios pĂșblicos quanto atores privados usando violĂȘncia, intimidação, ameaças e assĂ©dio para impedir ou limitar a participação polĂ­tica das mulheres afro-brasileiras", denunciam.

"Na medida em que ameaças, discurso de Ăłdio e medidas de proteção inadequadas impedem as mulheres afro-brasileiras, particularmente as mulheres afro-brasileiras transgĂȘneros, de exercer plenamente seus direitos de participação polĂ­tica, expressĂŁo polĂ­tica e acesso Ă  vida pĂșblica, hĂĄ uma obrigação permanente do Estado de impedir tais violaçÔes tanto por parte de atores pĂșblicos quanto privados e de proporcionar reparação Ă s partes afetadas", recomenda a ONU.

Para os relatores, as atuais medidas em vigor para proteger as mulheres defensoras dos direitos humanos se mostram "ineficazes". "Observamos com preocupação as alegaçÔes relativas Ă  falta de clareza, instabilidade e incapacidade do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, especificamente quando se trata de casos de violĂȘncia polĂ­tica racista, sexista e transfĂłbica".

21 ComentĂĄrios

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JoĂŁo Malato

Como acreditar numa carta "confidencial" que Ă© entregue com toda a facilidade, Ă© de se supor, a um colunista que se especializou em ataques a autoridades governamentais?

Oswaldo PlaconĂĄ JĂșnior

O vitimismo virou campanha polĂ­tica. Tem muito candidato abusando do discurso de perseguido para se eleger.



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