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Nova chanceler chilena denunciou 'discurso de ódio' e violações no Brasil
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O novo governo chileno de Gabriel Boric escolheu como sua chefe da diplomacia Antonia Urrejola, especialista em direitos humanos e que, nos últimos anos, mergulhou na situação das violações cometidas pelo governo de Jair Bolsonaro.
Antes de aceitar o cargo de ministra de Relações Exteriores, ela foi a relatora responsável pelo Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ouvindo e analisando as queixas de vítimas e alertando para os ataques contra a democracia no país. Ela inclusive foi levada aos túmulos de indígenas no país e examinou denúncias contra o presidente Jair Bolsonaro.
Em 2021, ao lado de outros membros da Comissão Interamericana, ela assina um informe sobre as violações no Brasil e conclui que existe uma deterioração da situação do estado de direito.
"Quanto à liberdade de expressão, a CIDH constata um aumento das ameaças contra a vida e a integridade física de jornalistas e comunicadores por parte das autoridades, situação que se agravou após as eleições nacionais de 2018. De igual maneira, houve um incremento dos crimes de ódio baseados na orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero das pessoas, bem como de discursos de ódio e estigmatizantes emitidos por autoridades do Estado no mesmo período", afirma o documento.
O informe ainda conclui que, nos últimos anos, sistema de direitos humanos e garantias "vem enfrentando desafios e retrocessos".
Não por acaso, a escolha de Boric foi comemorada por ativistas de direitos humanos no Brasil, enquanto no Palácio do Planalto a nomeação é vista como um desafio extra ao governo Bolsonaro.
O presidente brasileiro tinha em Sebastian Piñera um aliado na região e usava a experiência econômica no país como referência. Mas, depois de perder aliados na Argentina e em outras partes do mundo, Bolsonaro também se distancia do Chile.
A nova chanceler, de fato, não disfarçou sua preocupação com a situação do país em uma entrevista ao UOL, ainda em 2019. Mas também denunciou as violações de direitos humanos na Venezuela e Nicarágua.
Antonia Urrejola já foi assessora de direitos humanos da Presidência do Chile, especialmente na elaboração e processamento de projetos relacionados à infância, diversidade sexual e instituições de direitos humanos. Ela ainda fez parte do Ministério do Interior, participando na elaboração de projetos de lei sobre instituições nacionais de direitos humanos, prisões políticas e tortura. Entre 2006 e 2011, Urrejola foi a assessora principal do ex-secretário geral da OEA.
A partir de agora, ela terá de lidar com o governo Bolsonaro, que já deixou claro que não irá à posse do presidente eleito do Chile, Gabriel Boric.
Eis os principais trechos da entrevista, concedida antes do final do primeiro ano do governo Bolsonaro:
Chade: Como a senhora avalia a situação hoje do Brasil?
Antonia Urrejola: A Comissão Interamericana fez uma visita ao Brasil em novembro de 2018 e recebemos muitos sinais que nos preocuparam sobre a situação democrática do Brasil. A discriminação estrutural é algo que nos preocupou e que, hoje, sabemos que de alguma maneira se esgotou. Também nos preocupou a estigmatização de certos grupos vulneráveis, em especial os grupos afrodescendentes, indígenas e LGBTI.
Outro elemento que nos preocupa e que já vinha de antes era o discurso do ódio, que tendem a justificar as violações aos direitos humanos.
Qual pode ser o impacto desse cenário que a senhora descreve?
Essa estigmatização e o discurso de ódio nos preocupa. Vemos que há um aumento dá violência quando esses discursos de justificação de violações de direitos humanos vem de autoridades políticas. Isso dá poder para os cidadãos a violar os direitos humanos nas ruas. Desde um delinquente, um garoto que roubou um celular.
De que forma?
Dando a ideia de que se pode fazer justiça com as próprias mãos. Posso torturá-lo na rua e as autoridades vão achar que está bem. Vemos uma fragilidade da situação de estabilidade democrática do ponto de vista do fortalecimento dos direitos humanos. Isso nos preocupa muito. O estado de direito tem como base o respeito pelos direitos humanos. Certas regras de convivência democrática. E essas regras do jogo tem um sistema básico que é respeito pelo outro.
Um respeito independente da ideologia, se é negro, LGBTI, indígena. E vemos que esse respeito pelo outro se perdeu. E quando isso começa a ocorrer numa convivência democrática, é estabelecido uma convivência mais violenta. E ninguém sabe como isso termina. Isso nos parece preocupante.
Qual a responsabilidade de líderes políticos diante dessa tensão?
Algumas expressões de autoridades, de governos, nos parecem preocupantes. Independente da posição ideológica que um líder pode ter, de esquerda ou direita, achávamos que, nestas alturas da história mundial —depois de guerras, depois de ditaduras na América do Sul—, a humanidade tivesse alcançado um consenso sobre os crimes contra a humanidade. A humanidade fechou um acordo em que certos crimes atrozes não se podem cometer por razões ideológicas e agora é isso que está sendo colocado em questão. E isso é perigoso.
Alguém pode ou não estar de acordo com a história passada do Brasil, se se justificava ou não a guerrilha, se se justificava ou não certos grupos armados. Mas, para além de ter uma posição política sobre isso, a maneira que o estado reprimiu não tem justificativa. Para alguma coisa existe um devido processo legal. Para alguma coisa existe o Judiciário e as prisões.
E como eles devem ser tratados?
Se, por motivos políticos, essas pessoas cometem delitos de sangue, eles devem ser processados e punidos de acordo com um Poder Judiciário independente. Cumpre-se a pena e, uma vez, terminada, devem ter o direito de ser liberadas e seguir com suas vidas. E não ser torturada, assassinada. Portanto, é isso que não se pode ser justificado. Mas é justamente isso que está se relativizando.
E qual é o impacto disso para uma democracia?
É preocupante. Relativiza-se crimes atrozes que eu tinha pensado que nosso continente, depois de todo o sofrimento, havia superado. Na semana passada, estivemos na Argentina, onde se celebrava os 40 anos da visita da Comissão Interamericana ao país, em plena ditadura. Uma ditadura que gerou 40 mil desaparecidos. Na Argentina, mais além das diferenças políticas que uma pessoa possa ter com o presidente Maurício Macri, ele esteve lá e organizou um ato pelas vítimas. Ele falou sobre a necessidade de não se repetir o que ocorreu há 40 anos. Em nenhum momento ele justificou o que ocorreu na Argentina há 40 anos. Não se pode relativizar o que ocorreu na América Latina, onde tivemos tortura, violência sexual e mortes.
Na avaliação da sra., líderes políticos que tomam essa atitude influenciam também a situação atual de seus países?
Acredito que sim. Ao termos essa posição, o que existe é uma relativização de todo o conceito de direitos humanos. E isso tem um efeito nos discursos de ódio. Quando esses discursos começam a dizer que nem todos somos iguais, que nem todos merecemos ter o mesmo respeito, que um delinquente pode estar morto por não ter direitos, estamos dizendo que sua vida vale menos. E não é assim. Sua vida vale a mesma coisa. E existem causas pelas quais um garoto de uma favela. Há uma sociedade que é responsável por isso.
E o que pode ocorrer neste caso?
Quando existe um apelo a fazer Justiça com as próprias mãos, o que corremos o risco é de ver pessoas inocentes terem seus direitos violados. Esse foi um dos temas das violações na Argentina. A Ditadura começou a prender pessoas que não tinha qualquer relação com movimentos políticos e era uma forma de impor o terror na população. Terminamos com a lei da selva.
Um país do tamanho do Brasil pode acabar influenciando a região, diante desse novo momento?
Bom, a história está ai para mostrar o impacto que teve a Ditadura no Brasil para o restante do continente. Hoje, o debate político que ocorre no Brasil também se repete em outros países.
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, que é um adversário político de Michelle Bachelet, saiu em defesa da alta comissária da ONU quando ela foi atacada por Bolsonaro. O que significou esse ataque por parte do presidente brasileiro (que sugeriu um apoio ao assassinato de seu pai pelo regime de Pinochet)?
Falo como chilena e é importante lembrar que, no meu país, tivemos muitas vítimas da ditadura. Bachelet foi uma delas. Então, quando uma pessoa se refere a um país com tantas vítimas, também precisamos ter cuidado.
Bolsonaro pode ter sua visão do que foi a história do Chile. Mas, quando existem vítimas, precisamos respeitá-las. Sejam elas vítimas de Ortega, de Maduro ou de Pinochet. São vítimas. Bachelet foi vítima, foi torturada. Sua mãe foi torturada. Seu pai, assassinado —e nem sequer era um ativista político. Ele era um militar constitucional. É uma ofensa a todas as vítimas.
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