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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Rússia é suspensa de órgão da ONU e aprofunda isolamento; Brasil se abstém

Colunista do UOL

07/04/2022 12h50Atualizada em 08/04/2022 21h10

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A Rússia foi suspensa hoje do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), ampliando de uma maneira inédita o isolamento do Kremlin no cenário internacional e aprofundando sua condição de pária. A decisão é inédita contra um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e nem mesmo durante a Guerra Fria tal gesto foi realizado.

O governo de Jair Bolsonaro, porém, não apoiou o afastamento do país de Vladimir Putin do principal órgão internacional de direitos humanos.

Numa votação nesta quinta-feira na Assembleia Geral da ONU, 93 países deram seu apoio à proposta de países ocidentais que sugeriram o afastamento do Kremlin das decisões de um dos principais órgãos da entidade. Na América do Sul, os governos da Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e Equador deram seu apoio ao afastamento.

Apenas 24 países votaram contra o projeto, entre eles a Rússia, China, Cazaquistão, Síria, Irã, Cuba e Coreia do Norte. A Venezuela fez um discurso no qual indicou ser contra. Contudo, o voto não constou na lista final divulgada.

O bloco de ditaduras denunciou as potências ocidentais, além de relembrar violações cometidas pelos EUA em diferentes partes do mundo e a ameaça que a medida poderia causar para a sobrevivência dos organismos internacionais. O governo de Cuba, por exemplo, alertou que, se hoje foi a Rússia, amanhã serão outros países em desenvolvimento que poderão ser afastados por "não aceitar" as políticas das potências ocidentais. Para o governo da China, a suspensão vai "jogar gasolina no fogo" e não ajudará a trazer a paz.

Brasil quer que investigação seja realizada primeiro

Conforme a coluna antecipou, o Brasil optou pela abstenção e consolidou sua postura de afastamento em relação às potências ocidentais. No total, 58 países também se abstiveram, entre eles México, Arábia Saudita, Senegal, África do Sul, Egito e um número elevado de governos africanos.

Ao explicar seu voto, o governo brasileiro insistiu que esse não é o momento de suspender a Rússia. O embaixador Ronaldo Costa Filho garantiu que o governo de Jair Bolsonaro está "profundamente preocupado com as violações de direitos humanos na Ucrânia, inclusive na cidade de Bucha".

Ele ainda destacou como alarmantes as "imagens de extrema violência" e sinais de tortura entre os mortos. Mas evitou acusar a Rússia e sequer citou o nome do país que invadiu a Ucrânia em seu discurso.

Segundo o Itamaraty, porém, em março o Conselho de Direitos Humanos já criou uma comissão de inquérito para avaliar os crimes cometidos na Ucrânia e pediu que todos os países envolvidos no conflito cooperem com as investigações.

"O Brasil decidiu se abster, pois acredita que a comissão deve completar a investigação para que as responsabilidades possam ser estabelecidas", disse. Segundo ele, só com as conclusões é que a Assembleia Geral deveria considerar uma eventual suspensão dos responsáveis.

O processo de investigação, porém, ainda está em seu início e um resultado pode levar meses para que seja estabelecido.

Mesmo assim, o governo brasileiro insiste que a comunidade internacional não pode cometer os "erros do passado", quando houve uma politização do debate de direitos humanos e a adoção de um duplo padrão ao lidar com crimes.

Para o Brasil, o "maior instrumento é o diálogo". "Não há alternativa à negociação", defendeu o embaixador brasileiro.

Horas depois, num comunicado de imprensa, o Itamaraty ainda afirmou que "o Brasil decidiu abster-se na votação por entender que a iniciativa implicará polarização e politização das discussões do Conselho de Direitos Humanos". "Poderá, ademais, resultar no desengajamento dos atores relevantes e dificultar o diálogo para a paz", disse.

"Para que o Conselho possa cumprir sua missão de enfrentar violações de direitos humanos em todos os países com a esperada universalidade e imparcialidade, o Brasil considera importante preservar os espaços de diálogo, por meio de respostas que favoreçam o engajamento das partes em defesa da proteção dos direitos humanos e da paz", esclareceu o governo.

Depois de inicialmente votar ao lado de americanos e europeus em três resoluções que condenavam os ataques russos contra a Ucrânia, o Brasil passou a adotar uma nova postura nos organismos internacionais nas últimas semanas.

Mais próximos da posição de China, Índia e África do Sul, o Itamaraty não chancelou os projetos das potências ocidentais para isolar a Rússia em órgãos como a OIT, Unesco e outros. Os Brics também insistem que a ideia do governo de Joe Biden de afastar a Rússia do G20 não seria apoiada pelo bloco das grandes economias emergentes.

Nesta semana, o governo brasileiro tampouco adotou o mesmo tom que Estados Unidos e Europa no Conselho de Segurança das ONU, que acusaram a Rússia de crimes de guerra. Para o Brasil, as investigações sobre eventuais massacres na Ucrânia devem ocorrer sem que haja um "prejulgamento".

Já o esforço das potências ocidentais para expulsar a Rússia do Conselho de Direitos Humanos é, de fato, um processo raro dentro da ONU. Até hoje, apenas a Líbia de Muanmar Kaddafi tinha sido alvo de uma suspensão similar.

Para que o mesmo destino seja dado para a Rússia, as potências ocidentais precisavam reunir dois terços dos votos válidos da ONU.

No caso brasileiro, o Itamaraty votou ao lado dos 141 países que optaram por condenar a Rússia há um mês. Mas, desta vez, a expulsão é considerada como uma atitude perigosa, inclusive sob o ponto de vista de um eventual enfraquecimento do sistema multilateral.

No projeto, os governos da UE, Estados Unidos, Canadá, Japão, Colômbia, Reino Unido, Libéria, Costa Rica e outros governos justificaram a ação de suspensão sob o argumento de sérios abusos e violações de direitos humanos e do direito humanitário por parte da Rússia.

A iniciativa foi ainda apoiada por uma série de ongs, entre elas a brasileira Conectas Direitos Humanos. Há duas semanas, ao lado de outras organizações da sociedade civil, a entidade pediu que governos considerassem a suspensão de Moscou do Conselho de Direitos Humanos.

Apesar da ofensiva ocidental, membros dentro da ONU alertam que a iniciativa será alvo de um questionamento por parte da China e outros países que irão argumentar que governos como o dos EUA também invadiram territórios estrangeiros, sem que tivessem sido suspensos dos órgãos internacionais.

Ucrânia denuncia governos que optaram por abstenção

Os ucranianos ainda criticaram os países que optaram pela abstenção. Citando o escritor israelense Elie Wiesel, o embaixador de Kiev na ONU, Sergiy Kyslytsya, alertou para os "perigos da indiferença".

"Indiferença não é uma resposta, não é um começo. É um fim. E é sempre um amigo do inimigo, pois beneficia o agressor e nunca a vítima, que tem sua dor que aumenta quando é esquecido", disse, citando Wiesel. Para ele, quem aperta um voto contra a suspensão "puxa o gatilho" contra as vítimas.

Para Kiev, crimes de guerra foram cometidos pela Rússia e alerta que a manutenção de Moscou no Conselho "afundaria" a instituição. "Deveríamos chamar de Titanic, e não de Conselho de Direitos Humanos", alertou o embaixador ucraniano na ONU.

O diplomata admite que a suspensão é "rara e extraordinária", mas insistiu que tal medida era uma obrigação diante das regras da entidade que estipulam que países podem suspender um membro em "caso de graves violações".

O governo ucraniano acredita que, ao suspender a Rússia, o objetivo é o de "manter a credibilidade" da entidade.

Moscou contestou a acusou o governo americano de estar "tentando destruir a arquitetura dos direitos humanos". Segundo o embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, a medida é uma "tentativa dos EUA de manter o controle total e promover o neocolonialismo".

Segundo ele, a suspensão de um membro é um "precedente perigoso" e destaca como a estratégia do Ocidente não conseguiu resolver crises e apenas exacerbou conflitos.