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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Voto recorde de extrema direita na França é alerta para o Brasil e o mundo

Colunista do UOL

25/04/2022 04h00

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"Enterrados, nós fomos 1.000 vezes, e 1.000 vezes a história frustrou aqueles que previam ou esperavam nosso desaparecimento". Foi com essas palavras que Marine Le Pen saudou no domingo um resultado recorde de seu partido de extrema direita nas eleições presidenciais na França.

Ela não venceu, e Emmanuel Macron continuará ocupando o cargo de chefe de Estado por mais cinco anos. Mas Marine Le Pen somou 42% dos votos. Ou seja, mais de 13 milhões de pessoas optaram por dar seu apoio para o movimento de extrema direita. Não por acaso, ela declarou que as urnas garantiram uma "vitória enorme" ao seu partido, inclusive atraindo votos de outras forças políticas.

Se em 2017 ela ficou com 10 milhões de votos abaixo do vencedor, desta vez a distância foi encurtada para apenas 5,5 milhões.

Não por acaso, hoje, a representante da extrema direita já se apresenta como a mais legítima das forças de oposição, e não apenas um acidente de percurso da democracia.

O que chama a atenção de analistas e mesmo de representantes políticos é que, há poucos anos, o movimento de extrema direita era considerado como uma força sob ameaça. Na eleição em 2017, ela optou por uma participação agressiva no último debate presidencial e foi duramente punida por suas reações.

Nos últimos dois anos, seu movimento perdeu eleições municipais e regionais, chegando a ser considerado como "decadente" e "enterrado".

Marine Le Pen optou, então, por uma mudança radical em seu discurso. Se seu programa oficial continua a focar nos imigrantes, na defesa da soberania e questionando o espaço do Islã, o tema das entrevistas e das aparições públicas mudou. A líder da extrema-direita concentrou sua mensagem na garantia de que, se eleita, o padrão de vida dos franceses seria transformado. Renda e emprego passaram a ser seus principais slogans.

O resultado nas urnas mostrou que a estratégia deu certo e que ela atraiu votos inclusive da extrema esquerda e da direita tradicional.

Diplomatas e observadores apontam que a resiliência do movimento tem uma relação direta com a desilusão de eleitores em relação aos partidos tradicionais e às suas condições de vida.

Em seu discurso no domingo, Marine Le Pen também deixou isso claro. "Esse resultado constitui, por nossos dirigentes franceses e para os dirigentes europeus, o testemunho de uma grande desconfiança do povo sobre aqueles que não os podem ignorar", disse.

Com o uso da manipulação de informações, não sendo clara sobre seu próprio programa, usando fantoches e evitando a imprensa, a lógica de campanha era simples; sair em busca de pessoas que não são contra a democracia. Mas que se sentem ignoradas.

Horas depois, foi o vencedor Macron quem destacou o mesmo fenômeno. Segundo ele, o "grito de cólera" de milhões de franceses que tinham votado pela extrema direita foi ouvido.

Para Aurelien Mondon, professor da Universidade de Bath, o resultado de Marine Le Pen "não foi particularmente surpreendente".

"Como muitas vezes, a extrema direita tem um bom desempenho não devido a seu próprio senso político ou popularidade, mas graças à ação e inação de outros atores", disse. "Neste caso, Le Pen iniciou a campanha, já que o governo Macron tinha integrado ainda mais a política da extrema direita durante seu mandato, seguindo os passos de François Hollande, Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac, que tinham preparado o caminho para a ascensão de Le Pen", apontou.

Segundo ele, "isto lhe permitiu não apenas parecer mais moderada do que seu programa sugere, mas também ter alguma legitimidade como a alternativa aparente ao status quo".

Mondon destacou que Marine Le Pen foi incapaz de quebrar o teto de vidro e, embora tenha melhorado em seus resultados, "ainda lhe faltam milhões de votos para vencer as eleições presidenciais, mesmo contra um candidato muito impopular".

Mas a responsabilidade por fazer a extrema direita retroceder é dos demais líderes políticos. "Se a França quiser inverter a maré e deter a ascensão da extrema direita, será crucial afastar-se de seus problemas de estimação e, em vez disso, enfrentar as muitas crises que são as prioridades da grande maioria da população", afirmou.

"No entanto, isto exigirá alguma coragem de muitos dos principais atores que até agora preferiram usar a extrema direita como uma distração de sua responsabilidade", completou.

Neste fim de semana, a realidade é que a França mostrou que dar por derrotado o movimento de extrema direita sem lidar com o motivo da ira de milhões de pessoas é uma receita para uma desilusão e a abertura de um vasto espaço para o avanço de uma força política que ameaça a democracia.

  • Assista ao UOL News e veja os comentários completos de Jamil Chade sobre as eleições na França: