Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Bolsonaro segue ditaduras e tenta abafar comentários da ONU sobre eleição

Jair Bolsonaro discursa na 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) - Eduardo Munoz-Pool/Getty Images
Jair Bolsonaro discursa na 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) Imagem: Eduardo Munoz-Pool/Getty Images

Colunista do UOL

31/08/2022 04h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O governo de Jair Bolsonaro enviou uma carta para a ONU, se queixando da forma pela qual a entidade questionou seu comportamento na eleição presidencial de outubro. O comportamento é típico de regimes autoritários - como Venezuela, China ou Cuba - que não aturam qualquer comentário, críticas ou apelos por parte dos organismos internacionais.

A carta sigilosa foi enviada ao Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, depois que a chefe da divisão das Nações Unidas, Michelle Bachelet, criticou os ataques de Bolsonaro contra o Judiciário, contra as urnas e contra a democracia.

Procurado, o Itamaraty não deu uma resposta oficial sobre a informação obtida de que a carta de protesto foi enviada. A missão do Brasil em Genebra tampouco respondeu, e nem o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.

A reportagem, porém, obteve duas confirmações com altos funcionários do Itamaraty de que o protesto, de fato, foi enviado. Uma terceira fonte do governo ainda revelou que a carta cita o fato de que o protesto ocorreu por conta da forma pela qual a chilena respondeu aos jornalistas brasileiros.

Na quinta-feira passada, ao dar uma coletiva de imprensa para se despedir de seu cargo, Bachelet não poupou críticas ao governo Bolsonaro, tanto por conta das violações de direitos humanos, como por sua ameaça ao sistema eleitoral.

"Acho que existem muitas situações muito difíceis no Brasil agora sobre direitos humanos. Não só agora. Mas estou seriamente preocupada como informes de aumento da violência política, a manutenção do racismo estrutural e o encolhimento de espaço cívico", disse a chilena.

De acordo com ela, a ONU irá acompanhar de perto os impactos em direitos humanos e o impacto sobre as liberdades fundamentais no processo da eleição e de seus desdobramentos após a votação. Sua preocupação é, em especial, por conta do discurso de ódio e ataques contra candidatos e legisladores, especialmente contra minorias.

"Ataques contra parlamentares e candidatos, especialmente os afrobrasileiros, LGBTI e mulheres, preocupam", disse. Ela lembrou como uma recente visita de um relator da ONU ao Brasil já acenou para tais ameaças e que tal cenário seria um obstáculo para a democracia e a participação civil.

Bachelet, porém, destinou longos minutos a tecer duras críticas contra o presidente brasileiro. "Bolsonaro intensificou seus ataques ao Judiciário e ao sistema de votos eletrônicos, inclusive em reuniões com embaixadores (estrangeiros) em julho e que gerou forte reação", alertou.

"O que é mais preocupante é que ele chamou seus apoiadores para manifestar contra as instituições do Judiciário no dia 7 de setembro", afirmou. Segundo ela, isso levou a oposição a adiar a manifestação que estava sendo programa para o mesmo dia, para evitar violência.
"Tenho que dizer que, tendo sido uma chefe de estado, um chefe de estado precisa respeitar outros poderes, deve respeitar o Poder Judiciário, o Legislativo. Não deve fazer ataques contra outros. É essencial que o presidente assegure a democracia", insistiu. "E a democracia exige o respeito por outros poderes", declarou.

"[Atacar outros Poderes] não é uma realmente uma boa decisão, especialmente por estar no meio de uma eleição", disse.

Bachelet admite que existem situações nas quais um presidente pode não concordar com decisões de outros Poderes, mas elas devem ser respeitadas. "Você não pode fazer coisas que aumentem a violência e ódio contra instituições democráticas e que devem ser respeitadas e fortalecidas. E não minadas por meio de um discurso político forte", disse a chilena.

Ela ainda citou o assassinato de um membro do PT, em Foz do Iguaçu. "Em julho, um apoiador de Bolsonaro matou um apoiador de Lula. Não é que milhares de casos ocorreram. Mas esses casos não deveriam ocorrer. E quando um líder usa uma linguagem que pode ser usada na direção errada, isso pode ser muito ruim. Muito", completou.

No dia seguinte, em entrevista exclusiva ao UOL, ela ainda afirmou que "é muito grave quando um chefe de estado, com um discurso violento, incentiva aos seus apoiadores a manifestar contra o Judiciário, contra o sistema eleitoral".

"O Brasil é um país que, em geral, deu mostras que é um país que respeita, que tem eleições limpas e transparentes. Nunca foi questionado fundamentalmente por isso. Não se justifica esse tipo de crítica. Mas incentivar a marchar contra outro poderde estado? Você pode discordar de um outro poder. Mas fazer isso não faz bem à democracia. Pode aumentar a violência, como já vimos em outras partes do mundo", disse.

Bolsonaro elogiou Pinochet para atacar Bachelet

Bachelet tem um histórico de denúncias contra o governo de Bolsonaro. Ainda em 2019, ela criticou a violência policial no Brasil, o que levou o presidente a rebater a chilena, inclusive elogiando Augusto Pinochet. O general chileno foi o responsável pela morte do pai de Bachelet que, por sua vez, teve de deixar o Chile como exilada política.

Os comentários de Bolsonaro causaram profundo mal-estar na diplomacia regional, levando até mesmo a direita chilena a tecer críticas contra o brasileiro e demonstrar apoio à ex-presidente chilena.

Mais recentemente, ela fez um alerta sobre a preocupação de seu escritório diante da violência durante as eleições. Ela também pediu um pleito "sem interferências". Os comentários de Bachelet irritaram o governo Bolsonaro, que agiu para tentar abafar qualquer questionamento internacional ao presidente.

Num discurso no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Itamaraty criticou seus comentários e fez um alerta de que o país não aceitaria interferências externas.