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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Bolsonaro transformará funeral de Elizabeth 2ª e ONU em atos de campanha

Colunista do UOL

15/09/2022 04h00

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O presidente Jair Bolsonaro transformará dois dos principais eventos mundiais de 2022 em um ato de campanha eleitoral. Na segunda-feira, ele estará em Londres para o funeral da rainha Elisabeth 2ª e, em seguida, viaja para Nova York para participar da abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).

Fontes em Brasília confirmaram à coluna que, em plena campanha eleitoral, uma ala do bolsonarismo defendia que o presidente privilegiasse uma agenda doméstica. Mas venceu o grupo que sugeriu justamente usar os dois palcos internacionais como palanques eleitorais. A vantagem é que, em ambos, as viagens seriam amplamente justificadas.

No caso do funeral, a ideia é a de veicular a imagem a seus apoiadores de que o presidente não é um pária internacional e que está ao lado dos principais líderes do mundo. Está previsto que o funeral seja acompanhado de forma presencial por cerca de 500 dignitários de todo o mundo.

Joe Biden, os principais governos europeus, a família imperial do Japão, os monarcas da Espanha, Holanda, Dinamarca, Mônaco, Jordânia e de outros países já confirmaram presença.

Bolsonaro não conseguiu um só convite para visitar uma grande capital da Europa Ocidental ao longo de seu mandato. Ele rompeu com o governo francês, ignorou os alemães e apenas esteve em encontros multilaterais, como o G20, no qual sua presença não depende de uma vontade individual dos líderes estrangeiros.

O Palácio do Planalto chegou a pedir que Boris Johnson, então primeiro-ministro britânico, o recebesse. Sem sucesso.

No dia 20, terça-feira, Bolsonaro cumpre o papel tradicional do Brasil de abrir a Assembleia Geral da ONU. Mas se os três primeiros anos de sua presença em Nova York já foram marcados por discursos transformados em atos para seu próprio público doméstico, agora a expectativa dentro do próprio Itamaraty é de que a fala seja transformada em um ato de campanha política.

O sequestro da tribuna da ONU e sua transformação em palanque era algo que, dentro da chancelaria, passou a ser uma preocupação. O esforço, segundo fontes no Itamaraty, é de que o discurso também traga temas como meio ambiente e a questão ucraniana, como forma de sinalizar a posição do Brasil ao mundo.

Mas uma parcela substancial do texto, que ainda está sendo trabalhado, refaz os supostos feitos de Bolsonaro ao terminar seu governo, numa espécie de resumo do que foram os quase quatro anos de seu mandato.

Mas o desembarque de Bolsonaro na ONU ocorre num momento de duras críticas da entidade contra o presidente. Há poucas semanas, a então alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, atacou a atitude do brasileiro de questionar os poderes no Brasil. Sua fala levou o governo a reagir com uma carta de protesto contra a entidade.

Na próxima semana, antes de Bolsonaro falar, ele terá de ouvir também recados claros por parte do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. "A solidariedade prevista na Carta das Nações Unidas está sendo devorada pelos ácidos do nacionalismo e do interesse próprio", disse o português nesta semana, ao antecipar uma parcela de sua mensagem.

Segundo ele, essa solidariedade internacional está sendo minada "por um desprezo chocante pelos mais pobres e vulneráveis em nosso mundo, por políticos que jogam com os piores instintos das pessoas para obter ganhos partidários, por preconceitos, discriminação, desinformação e discursos de ódio que colocam as pessoas umas contra as outras".