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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Opositores ao regime de Putin e seus aliados vencem prêmio Nobel da Paz

Colunista do UOL

07/10/2022 06h08

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O prêmio Nobel da Paz de 2022 foi anunciado hoje para representantes da sociedade civil na Rússia, Ucrânia e Belarus. O gesto foi recebido como um recado claro de apoio à oposição que é obrigada a enfrentar a repressão de Vladimir Putin e seus aliados na região. Os organizadores do prêmio ainda aproveitaram o anúncio dos vencedores para pedir que o presidente russo deixe de reprimir ativistas de direitos humanos.

Foram escolhidos o defensor dos direitos humanos Ales Bialiatski, de Belarus, a organização russa de direitos humanos Memorial e a organização ucraniana de direitos humanos Centro para Liberdades Civis.

Existia a expectativa de que o prêmio fosse concedido ao líder da oposição, Alexei Navalny, ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e à líder das manifestações em Belarus, Svetlana Tikhanovskaya. Se a mensagem foi a mesma, Oslo optou por dar destaque para entidades da sociedade civil, e não políticos.

Com um número recorde de inscritos para o prêmio - mais de 340 nomes - Oslo teve a incumbência de escolher os vencedores em meio à maior ameaça à segurança europeia desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Ao anunciar o prêmio, os organizadores deixaram claro que a guerra na Ucrânia pesou na decisão e esperam que a decisão possa contribuir para a paz.

Mas a declaração também ocorre no dia dos 70 anos do líder russo. "Este prêmio não é dirigido ao presidente Putin, não pelo seu aniversário, ou em qualquer outro sentido - exceto que seu governo, como o governo de Belarus, está representando um governo autoritário que está suprimindo os ativistas dos direitos humanos", disse Berit Reiss-Andersen, a chefe do Comitê do Nobel.

"E a atenção que Putin chamou a si mesmo que é relevante neste contexto é a forma como a sociedade civil e os defensores dos direitos humanos estão sendo reprimidos", alertou. "E isso é o que gostaríamos de abordar com este prêmio. E nós sempre damos um prêmio por algo e a alguém e não contra ninguém", completou.

Para ativistas de direitos humanos, a escolha foi direcionada ao Kremlin. "No dia dos 70 anos de Putin, o Nobel é dado a um grupo de direitos humanos que ele fechou, a um grupo de direitos humanos ucraniano que está documentando crimes de guerra e um ativista de direitos humanos que seu aliado [Alexander] Lukashenko [presidente de Belarus] botou na prisão", declarou Ken Roth, um dos principais defensores de direitos humanos no mundo e chefe da Human Rights Watch.

Já o governo russo tentou minimizar o anúncio. "Não ligamos para isso", declarou o embaixador da Rússia na ONU, Gennady Gatilov.

Imediatamente, líderes europeus usaram a ocasião para mandar também seus recados ao Kremlin. Nas redes sociais, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que Oslo prestou homenagem aos "defensores indefectíveis dos direitos humanos na Europa". "Artesão da paz, eles sabem que podem contar com o apoio da França", disse.

Esse é o segundo ano consecutivo que críticos ao governo de Putin recebem o prêmio. Em 2021, o jornalista russo Dmitry Muratov foi o escolhido por Oslo, num recado contra a repressão contra a imprensa.

Desta vez, a entidade explicou que "os vencedores do Prêmio da Paz representam a sociedade civil em seus países de origem".

"Por muitos anos eles têm promovido o direito de criticar o poder e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. Eles têm feito um esforço notável para documentar crimes de guerra, abusos dos direitos humanos e o abuso de poder. Juntos, eles demonstram o significado da sociedade civil para a paz e a democracia", afirma o comunicado emitido pelo Comitê do Prêmio Nobel.

Ales Bialiatski detido por aliado de Putin

Um dos vencedores foi Ales Bialiatski, fundador do movimento democrático que surgiu em Belarus em meados da década de 1980. Hoje, o país é comandado por Aleksandr Lukashenko, um dos principais aliados de Putin e acusado de repressão e de fraudar eleições. Nos últimos anos, o regime local prendeu opositores e candidatos que poderiam ameaçar o poder, sempre com o apoio do Kremlin. Quando a guerra contra a Ucrânia começou, o território de Belarus foi usado por Moscou como base para uma parte da invasão.

Para o Comitê do Nobel, o ativista premiado e detido pelo regime de Minsk "dedicou sua vida a promover a democracia e o desenvolvimento pacífico em seu país de origem".

Imagem de 2011 mostra Ales Bialiatski preso em um corte em Minsk - Viktor Drachev/AFP - 2.nov.2011 - Viktor Drachev/AFP - 2.nov.2011
Imagem de 2011 mostra Ales Bialiatski preso em um corte em Minsk
Imagem: Viktor Drachev/AFP - 2.nov.2011

"Entre outras coisas, ele fundou a organização Viasna (Primavera) em 1996, em resposta às controversas emendas constitucionais que deram ao presidente poderes ditatoriais e que desencadearam manifestações generalizadas. Viasna prestou apoio aos manifestantes presos e suas famílias. Nos anos que se seguiram, Viasna evoluiu para uma ampla organização de direitos humanos que documentou e protestou contra o uso de tortura por parte das autoridades contra presos políticos", explicou.

Segundo Oslo, as autoridades governamentais têm repetidamente procurado silenciar Ales Bialiatski. "Ele foi preso de 2011 a 2014. Após grandes manifestações contra o regime em 2020, ele foi novamente preso. Ele ainda está detido sem julgamento. Apesar das tremendas dificuldades pessoais, o Sr. Bialiatski não cedeu um centímetro em sua luta pelos direitos humanos e pela democracia em Belarus", disse.

Repressão na Rússia

Um segundo prêmio foi para a organização de direitos humanos Memorial, criada ainda em 1987 por ativistas de direitos humanos na antiga União Soviética que queriam garantir que as vítimas da opressão do regime comunista nunca fossem esquecidas. O Prêmio Nobel da Paz, Andrei Sakharov, e a defensora dos direitos humanos Svetlana Gannushkina estavam entre os fundadores.

Mas o reconhecimento não ocorre por seu trabalho no passado. "Após o colapso da União Soviética, o Memorial cresceu até se tornar a maior organização de direitos humanos da Rússia. Além de estabelecer um centro de documentação sobre vítimas da era estalinista, o Memorial compilou e sistematizou informações sobre a opressão política e as violações dos direitos humanos na Rússia", disse Berit Reiss-Andersen.

Svetlana Gannushkina, ativista russa de direitos humanos e fundadora da organização "Memorial" - Denis Sinyakov/Reuters - 06.out.11  - Denis Sinyakov/Reuters - 06.out.11
Svetlana Gannushkina, ativista russa de direitos humanos e fundadora da organização Memorial
Imagem: Denis Sinyakov/Reuters - 06.out.11

"O Memorial tornou-se a mais autorizada fonte de informação sobre prisioneiros políticos nas instalações de detenção russas. A organização também tem estado na vanguarda dos esforços para combater o militarismo e promover os direitos humanos e o governo baseado no Estado de Direito", afirmou.

"Quando a sociedade civil deve dar lugar à autocracia e à ditadura, a paz é frequentemente a próxima vítima. Durante as guerras chechenas, o Memorial reuniu e verificou informações sobre abusos e crimes de guerra perpetrados contra a população civil pelas forças russas e pró-russas. Em 2009, a chefe da filial do Memorial na Chechênia, Natalia Estemirova, foi morta por causa deste trabalho", alertou.

Reiss-Andersen também destaca que os atores da sociedade civil hoje na Rússia têm sido submetidos a ameaças, prisão, desaparecimento e assassinato por muitos anos.

"Como parte do assédio do governo ao Memorial, a organização foi carimbada desde cedo como um "agente estrangeiro". Em dezembro de 2021, as autoridades decidiram que o Memorial deveria ser liquidado à força e o centro de documentação deveria ser fechado permanentemente. O fechamento tornou-se efetivo nos meses seguintes, mas as pessoas por trás do Memorial se recusam a ser fechadas. Em um comentário sobre a dissolução forçada, o presidente Yan Rachinsky declarou: "Ninguém planeja desistir", disse.

Ucrânia

Por fim, o prêmio foi ainda para Centro de Liberdades Civis, fundado em Kiev em 2007 com o objetivo de fazer avançar os direitos humanos e a democracia na Ucrânia.

"O centro tomou uma posição para fortalecer a sociedade civil ucraniana e pressionar as autoridades a fazer da Ucrânia uma democracia de pleno direito. Para desenvolver a Ucrânia como um Estado de direito, o Centro de Liberdades Civis tem defendido ativamente que a Ucrânia se torne afiliada ao Tribunal Penal Internacional", disse.

"Após a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, o Centro de Liberdades Civis engajou-se em esforços para identificar e documentar os crimes de guerra russos contra a população civil ucraniana. Em colaboração com parceiros internacionais, o Centro está desempenhando um papel pioneiro com o objetivo de responsabilizar os culpados por seus crimes", destacou.

"Ao conceder o Prêmio Nobel da Paz de 2022 a Ales Bialiatski, Memorial e ao Centro de Liberdades Civis, o Comitê Nobel norueguês deseja homenagear três destacados defensores dos direitos humanos, da democracia e da coexistência pacífica", completou o Nobel.