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Governo eleito busca saída para dívida de Bolsonaro de R$ 5 bi no exterior
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O governo de Jair Bolsonaro deixa uma dívida do Brasil com os organismos internacionais de mais de R$ 5 bilhões, obrigando a equipe de transição no Itamaraty a acelerar o levantamento de pendências para evitar que o país perca o direito ao voto em instituições como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e diversas outras.
A coluna apurou que a equipe de transição montada na chancelaria solicitou um levantamento detalhado de todas as contas a pagar pelo Brasil em entidades como a ONU (Organização das Nações Unidas), bancos regionais, tratados ou mecanismos internacionais. O valor e a situação de cada uma das dívidas do país serão apresentados até amanhã, sexta-feira.
Com base nesse levantamento, o grupo que conta com o diplomata Audo Faleiro e os ex-chanceleres Celso Amorim e Aloysio Nunes, entre outros, vai examinar quais são as contas mais urgentes para impedir que o Brasil perca o direito ao voto em decisões internacionais.
Com base nessa informação, o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva terá de negociar com o Congresso a liberação de recursos para permitir que algumas dessas contas sejam pagas, já nos primeiros dias da nova gestão, em janeiro de 2023.
Em resposta à reportagem, o Ministério da Economia confirmou o valor das pendências.
"O Brasil possui hoje um montante de USD 630.730.439,92 de compromissos vencidos até 31 de dezembro de 2021, e USD 329.954.869,21 de compromissos referentes ao exercício 2022, cujos vencimentos devem ocorrer até 31 de dezembro de 2022", disse a pasta.
"Ao câmbio de hoje de R$ 5,2930 por dólar americano, esses valores de passivo vencido e de compromissos 2022, equivalem em moeda nacional a R$ 3.338.456.218,50 e R$ 1.746.451.122,75, respectivamente", completou o Ministério da Economia.
Ou seja, o Brasil precisa encontrar recursos para pagar pelo menos uma parte dos mais de R$ 5 bilhões.
Alguns casos são especialmente urgentes, como no caso da FAO. Sem completar o pagamento de sua contribuição obrigatória, o governo brasileiro pode perder seu direito ao voto na instituição em 2023.
Dados da FAO obtidos pela coluna revelam que a última vez em que o Brasil pagou de forma plena sua contribuição foi em 2019, o primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro. Desde então, os repasses foram suspensos.
A regra na entidade estabelece que, ao completar dois anos sem fazer depósitos completos, um governo perde seu direito ao voto nas decisões da instituição. Hoje, o Brasil contribui com cerca de 3% do orçamento da FAO e, se pagasse o que lhe corresponde, seria o oitavo maior contribuinte para o orçamento da instituição.
Procurado pela reportagem para comentar a situação, o Itamaraty explicou que os "repasses referentes a contribuições a organismos internacionais são de competência do Ministério da Economia".
"As dívidas do Brasil junto à FAO incluem valores em dólares norte-americanos e em euros, e seu pagamento, assim como as demais ações orçamentárias, está sujeito a restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal, dentro dos montantes previstos na Lei Orçamentária Anual", disse.
"Atualmente, os valores devidos pelo Brasil, até 30/06/22, discriminados conforme a moeda (USD [dólar] e EUR [euro]), são, respectivamente, de USD 23.563.897,70 e EUR 16.651.071,42", completou. No orçamento da FAO, parte dos pagamentos é na moeda americana e uma segunda parcela é feira em euro, como forma de amenizar o impacto da variação cambial para o orçamento da instituição.
Em 2023, o Conselho da FAO se reúne para definir os rumos do combate à fome no mundo. Mas, se não pagar sua dívida até o final do ano, o Brasil sem poder dar sua voz nas decisões. Situações de dívidas foram vividas pelo Brasil, principalmente durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Mas, pelo menos na FAO, o país nunca perdeu o direito de voto.
Agora, mesmo se acabar evitando a perda de seus direitos, a situação na qual o governo brasileiro se encontra é descrita por funcionários da agência como "vexame" e "reveladora" da atual política externa. Para manter seus direitos plenos na FAO, o Brasil precisava pagar os valores pelo menos relativos ao ano de 2020. Isso envolveria o desembolso de US$ 7,6 milhões e 5,5 milhões de euros, para pelo menos salvar seu direito ao voto. Ameaçados de perder o voto também estão países como a Venezuela, Irã ou Líbia.
A dívida do Brasil com a entidade de alimentos gerou indignação do brasileiro José Graziano da Silva, que liderou a instituição entre 2012 e 2019. Graziano foi ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e considerado como pai do programa Fome Zero.
"O Brasil não paga sua cota de contribuição obrigatória da FAO desde 2019 e corre o risco de ser excluído das decisões da entidade", explicou. "Ele perde o direito de voto se não pagar pelo menos uma parte da dívida", afirmou.
"Essa é uma situação inaceitável. Neste momento em que o Brasil busca se reinserir no mundo, a FAO tem um valor simbólico. É ali que vai se debater as medidas de combate à fome no mundo. O Brasil terá muito a contribuir e muito a receber", disse Graziano.
Ele lembrou que, em 2002, a FAO mandou uma missão especial que permaneceu por semanas no Brasil, ajudando a montar o Fome Zero.
Graziano destacou ainda como Lula voltou a colocar como sua prioridade a retirada do Brasil do mapa da fome. Para ele, portanto, é importante que se faça um movimento para pagar essa conta. O ex-chefe da FAO ainda destacou como, enquanto a dívida se acumula no exterior, Bolsonaro distribuiu benesses a vários setores antes das eleições, inclusive aos caminhoneiros que fizeram parte dos atos golpistas nos últimos dias.
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