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Nova ordem global já é realidade em Pequim, e Brasil terá de ter um plano
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Os chineses usam um eufemismo para falar sobre a decadência da influência americana. Segundo o governo de Pequim, o mundo passa por transformações "nunca antes vistas em cem anos".
Foi com esse recado que o presidente da China, Xi Jinping, se despediu de Vladimir Putin, em março. Mas não se trata apenas de um comentário isolado. Essa é a ideia que baliza sua política externa e sua estratégia geopolítica.
Em documentos internos, o conceito é explicado em detalhes:
"Embora os regimes ocidentais pareçam estar no poder, a sua vontade e capacidade de intervir nos assuntos mundiais está a diminuir. Os Estados Unidos podem já não querer ser um fornecedor de segurança global e de bens públicos, e em vez disso prosseguir uma política externa unilateral e até nacionalista".
Xi também é claro sobre a ambição de seu governo. "A China está no melhor período de desenvolvimento desde os tempos modernos, e o mundo está num estado de grandes mudanças invisíveis num século, e estas duas [tendências] estão simultaneamente interligadas e a interagir mutuamente", disse.
Em seu terceiro mandato, Xi quer dar aos chineses a impressão de que existe um plano e uma coerência entre os principais líderes de Pequim, ao longo da história.
- Mao Tsé-Tung permitiu que os chineses se levantassem, depois de um século de humilhações e invasões estrangeiras
- Deng Xiaoping permitiu que as famílias enriquecessem, com suas reformas econômicas.
- E agora Xi Jinping garante força, poder e influência ao país.
A tradução dessa "força", no mundo real, já ocorre. Nesta semana, num "exercício militar", a China cercou Taiwan, com dezenas de jatos e navios de guerra. O cerco também é diplomático, com Honduras mudando de lado e, depois de décadas, rompendo relações com Taipé.
Nos fóruns internacionais, Pequim toma a palavra para acusar de maneira explícita o Ocidente por violações de direitos humanos e defende a própria revisão do conceito. Na área tecnológica, o país quer criar o seu próprio "Padrão China", rescrevendo as regras internacionais.
E, na geopolítica, costura alianças com o objetivo de neutralizar qualquer ofensiva americana.
Nem as profundas dificuldades domésticas com uma juventude que vê o desemprego aumentar, ou cidades que acumulam dívidas históricas, parecem desviar Pequim de sua ambição. Os chineses ainda fazem questão de rebater as denúncias por parte de ativistas da existência de um recrudescimento na repressão contra dissidentes.
Tampouco a estratégia de diferentes governos dos EUA de frear a expansão chinesa abala a estratégia da nova potência. Em Pequim, uma piada é contada entre os diplomatas chineses e membros do governo: o maior aliado que a China teve nos últimos anos foi Donald Trump. Ou simplesmente: "Companheiro Trump".
Para eles, o ex-presidente americano acelerou a decadência dos EUA, abriu espaço para a China ocupar o cenário internacional como defensora do multilateralismo e ainda, ao iniciar uma guerra comercial, levou empresas a se mudarem para fabricar seus produtos dentro da China.
Hoje, a China exporta ao mundo US$ 3,5 trilhões, contra cerca de US$ 2 trilhões por parte dos americanos.
Nesse processo, a China quer acreditar que a guerra na Ucrânia é um acelerador da transformação da ordem internacional. Na avaliação de Pequim, o que ocorre em Kiev, não é uma disputa por um bairro ou por uma usina de energia. Em território ucraniano está sendo desenhada a nova relação de força no mundo.
Se não existem dúvidas de que a Rússia é a agressora e que a carta das Nações Unidas foi violada, analistas e diplomatas estrangeiros concordam que sair da crise envolverá mais que apenas condenar Moscou por crimes.
E a China quer seu lugar como protagonista na construção de uma nova ordem.
Incontornável, Pequim é de fato hoje um dos principais epicentros do poder mundial. Desde que se reabriu ao mundo depois da covid-19, há poucas semanas, a capital chinesa passou a ser o destino de uma peregrinação de líderes mundiais. Seja para obter acordos bilionários ou para debater o destino do mundo com um dos principais artífices do século 21.
Em menos de um mês, o país recebeu Emmanuel Macron, Pedro Sanchez, negociadores do Irã, sauditas e outros. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será o convidado de honra, numa operação desenhada por Pequim para atrair o Brasil para uma aliança ainda mais intensa.
Depois de quatro anos sem uma política externa e diante de um Itamaraty sequestrado por interesses de uma família e do movimento ultraconservador, a volta do Brasil ao cenário internacional como ator responsável exigirá do governo um plano para lidar com uma transformação escancarada.
Os mais de 20 acordos que o presidente assinará com a China nesta semana são indicações claras dessa nova etapa e a cúpula entre Xi e Lula é mais um episódio da transformação da ordem internacional.
Diante do embate por hegemonia entre EUA e China, nem alinhamentos automáticos e nem posições ideológicas funcionarão para o Brasil. Navegar nessa transformação global será o maior desafio da política externa brasileira nos próximos anos. Mas também uma oportunidade para catapultar a diplomacia para promover uma política de desenvolvimento social e econômico que redefina o destino do Brasil.
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