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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Atacada por Bolsonaro, China cria com Lula centro para desenvolver vacinas

André Lucas - 30.jul.2020/Getty Images
Imagem: André Lucas - 30.jul.2020/Getty Images

Colunista do UOL

12/04/2023 21h30Atualizada em 13/04/2023 09h47

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Numa reviravolta completa da relação do Brasil com a China, os dois países vão assinar um acordo que cria o Centro Sino-Brasileiro de Pesquisa e Prevenção de Doenças Infecciosas. O anúncio do acordo inédito está previsto para esta quinta-feira, em Pequim, e representa uma ruptura importante em relação ao posicionamento do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro.

Trata-se de uma iniciativa da Fiocruz e do Centro de Excelência CAS-TWAS para Doenças Infecciosas Emergentes (CEEID, na sigla em inglês), por meio do Instituto de Microbiologia da Academia Chinesa de Ciências.

"O centro, que terá uma sede em Pequim e outra no Campus Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro, atuará para fortalecer a cooperação na área de ciência e tecnologia relacionada à saúde, com foco na prevenção e controle de pandemias e epidemias, tais como covid-19, influenza, chikungunya, zika, dengue, febre amarela, oropouche e outras doenças infecciosas, como tuberculose", diz a Fiocruz, em um comunicado.

O centro ainda desenvolverá testes de diagnósticos rápidos, terapias, vacinas e fármacos.

Aliados do bolsonarismo chegaram a difundir a narrativa de Donald Trump sobre uma suposta ação deliberada da China pela difusão da covid-19, enquanto o ex-presidente zombava da eficiência da vacina do país asiático.

O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegou a acusar Ernesto Araújo, ex-chanceler, de impedir uma aproximação de sua pasta aos chineses, enquanto a crise entre os dois países ameaçou paralisar a entrega de produtos fundamentais para o combate à pandemia no Brasil.

As negociações que existiam entre os dois países, portanto, foram interrompidas por quatro anos. "O acordo já vinha se delineando desde antes da pandemia, mas sofreu atrasos devido à emergência sanitária e por questões políticas", diz a Fiocruz.

Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a reaproximação de Brasil e China, o Memorando de Entendimento tomou novo impulso, mostrando que as relações dos dois países podem se aprofundar também na área de saúde."
Fiocruz, em nota

De fato, a cooperação entre Brasil e China começou a ser impulsionada a partir da visita da delegação liderada pelo cientista George Fu Gao, então diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CDC/China), em junho de 2017. Naquele momento, a então presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, assinou um entendimento. Hoje, ela é a ministra da Saúde.

Entre as doenças que serão estudadas, algumas atingem os dois países, como a covid-19.

Outras, como a febre amarela, atingem mais o Brasil, porém vêm atraído o interesse chinês. "Com o aumento de obras chinesas de infraestrutura na África, alguns de seus trabalhadores têm contraído febre amarela - uma enfermidade para a qual a Fiocruz tem know-how, já que produz a vacina", explica a entidade brasileira.

"Por outro lado, China e Índia produzem grande parte do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) usado no mundo. E o Brasil pode aprender com eles", completou.

Novo patamar na parceria

Para Mario Moreira, atual presidente da Fiocruz, "a cooperação sino-brasileira em ciência e saúde alcança outro patamar com esse acordo".

"A pesquisa conjunta em doenças infecciosas nos laboratórios chineses e brasileiros, a troca permanente de experiências e conhecimentos e a qualificação ainda maior da vigilância epidemiológica ganham com o fortalecimento da nossa ciência e capacitam mais os países na preparação para novas emergências sanitárias, cada vez mais comuns", disse.

Segundo ele, Brasil e China compartilham a visão dos bens de saúde como públicos, tais como vacinas, medicamentos e testes diagnósticos.

"O desenvolvimento e produção desses bens precisa se descentralizar e servir ao fortalecimento dos sistemas de saúde para diminuir a vulnerabilidade global. Vamos caminhar juntos nessa direção que fortalece a posição internacional da Fiocruz", defendeu.

Como funcionará

O acordo prevê a formação de um grupo de trabalho para implementar o centro nos dois países. Cada sede funcionará com pesquisadores das duas nacionalidades. Nelas serão desenvolvidos trabalhos de pesquisa básica e translacional; pesquisa clínica; treinamento e investigação; comunicação internacional e intercâmbio de pesquisadores.

Entre as atividades do novo centro, a Fiocruz destaca:

  • Projetos de pesquisa conjunta
  • Formação e desenvolvimento de recursos humanos em diferentes níveis (como técnico, mestrado, doutorado e pós-doutorado)
  • Intercâmbio de informações, tecnologia e materiais
  • Organização de seminários e conferências
  • Publicações conjuntas de artigos científicos
  • Desenvolvimento tecnológico de novas vacinas, anticorpos terapêuticos e medicamentos para doenças infecciosas agudas e crônicas
  • Colaborações em medicina tropical.

"Este acordo reforça a cooperação em saúde pública", comentou Shi Yi, diretor executivo do CEEID que mediou a série de seminários entre Fiocruz e a Academia Chinesa de Ciências no ano passado.

Em Pequim, o centro funcionará no Instituto de Microbiologia. No Brasil, ele ficará no prédio do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS), que está sendo construído em Manguinhos. O prédio tem previsão de conclusão para o final de 2024, com o centro devendo começar a funcionar no início de 2025. Até lá, haverá tempo para selecionar os pesquisadores que irão e os que virão.

"A importância maior desse memorando é que pela primeira vez vamos estabelecer dois centros físicos, que serão usados por pesquisadores brasileiros e chineses. Estamos transformando eventos que eram de curta duração, como as visitas de pesquisadores, em atividades permanentes. A ideia é ter aqui cientistas chineses por longos períodos, um mês, um ano, dois anos", disse Carlos Morel, coordenador do CDTS e que participou da elaboração do memorando.