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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Ucrânia quer levar Amorim a locais de massacres, mas não vê paz imediata

Celso Amorim é conselheiro de Lula quando o assunto é geopolítica - FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Celso Amorim é conselheiro de Lula quando o assunto é geopolítica Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

28/04/2023 12h53

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O governo da Ucrânia quer levar o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a visitar alguns dos locais onde tropas russas cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A missão do diplomata, segundo o UOL apurou, pode ocorrer ainda em maio.

Um dos possíveis locais de visita seria a cidade de Bucha, considerado até mesmo pela comissão de inquérito da ONU como cenário de crimes cometidos por tropas russas. A meta de Kiev é de que Amorim "veja com seus próprios olhos" e que as "dores, emoções e interesses" dos ucranianos sejam levadas em consideração no posicionamento do governo brasileiro.

Para os ucranianos, o objetivo da visita de Amorim será ainda a de estabelecer diálogo. Kiev não disfarça que vê com frustração o fato de que um país que quer mediar a guerra - o Brasil - converse de forma apenas esparsa com um dos lados do conflito.

Na avaliação dos diplomatas ucranianos, não há como mediar ou se credenciar para tal tarefa sem esse contato. O objetivo, portanto, é convencer os brasileiros que Kiev quer ser ouvida e que falar de paz não pode acontecer de forma abstrata.

Apesar da clara insatisfação com a postura do Brasil, a decisão de Lula de enviar Amorim foi considerada como bem-vinda. O governo ucraniano está preparando a visita, que ainda incluirá encontros com autoridades e sociedade civil.

Ainda que as expectativas não sejam elevadas e que se trate apenas de um primeiro encontro, a esperança é de que as informações sejam levadas por Amorim ao presidente brasileiro.

Inconsistências

Apesar da tentativa do governo brasileiro de insistir que está disposto a facilitar um caminho para a paz, o posicionamento de Lula continua a gerar um mal-estar no governo ucraniano. Sua postura de procurar a paz é considerada. Mas membros da cúpula do governo vêm insistindo, até mesmo aos diplomatas brasileiros em Kiev, sobre a insatisfação criada por algumas das declarações de Lula e o que alguns chamam de inconsistências na postura do Brasil na guerra.

Kiev ainda classifica de "criativas" algumas das propostas de Lula e algumas delas geraram, como a ideia de abrir mão da Crimeia, indignação. O mal-estar chegou a ser dito aos diplomatas brasileiros na Europa.

De acordo com membros do governo, houve uma pressão por parte dos ucranianos para reduzir o dialogo com o Brasil, diante do posicionamento de Lula. Mas a escolha por parte de Kiev foi a de intensificar a busca por contatos e adotar uma "paciência estratégica" e "restaurar relação com Brasil"

Paz distante

Por enquanto, Kiev não vê chances de que uma negociação de paz possa ocorrer. O principal motivo seria a falta de sinais por parte de Moscou sobre qualquer possibilidade de um diálogo. O governo ucraniano ainda deixa claro que os ataques durante a noite de sexta-feira, com mísseis russos, mostram que não há disposição do Kremlin para um acordo.

O governo ucraniano ainda insiste que, num eventual acordo de paz, a base deve ser a resolução da ONU, aprovada inclusive com voto do Brasil. Nela, é exigido a retirada imediata das tropas russas.

Para Kiev, porém, seria "muito cedo" ainda para falar em um cessar-fogo. Para analistas, porém, o único motivo não seria o comportamento da Rússia. Os ucranianos estariam prestes a lançar uma operação militar para tentar reconquistar parte do território invadido e, portanto, uma negociação não estaria nos planos neste momento, nem para Kiev e nem para a OTAN. Hoje, um quinto do território ucraniano está sob controle russo.

Erdogan x Lula

Os ucranianos também deixam claro que, para se credenciar como mediador, Lula não deve apenas tomar o lado russo da história. Um exemplo que usam é do presidente turco, Recep Edogan, Segundo eles, Ancara manteve relações normais com os russos. Mas rejeitou a anexação da Crimeia e mandou drones para ajudar os ucranianos. A diferença, porém, é que a Turquia faz parte da OTAN.

A percepção é de que os brasileiros podem se opor às políticas da OTAN e dos EUA, sem que isso signifique um discurso ameno em relação aos russos.

Para eles, a inconsistência do discurso brasileiro tem gerado indagações. Há poucas semanas, uma delegação de acadêmicos e representantes da sociedade civil ucraniana esteve no Brasil e se reuniu com algumas das principais lideranças. Mas foram surpreendidos quando, dias depois, Lula sugeriu que a Crimeia poderia não ser recuperada por Kiev, como parte de um acordo maior.

Dentro do governo ucraniano, não faltam ainda referências a ditados populares brasileiros. Um deles: "não cutuque a orça com vara curta".Para diplomatas ucranianos, a pergunta é o que fazer com a "onça brasileira" e como entender o que significa o "retorno" do Brasil no cenário internacional.

O governo ucraniano admite que parte da culpa pelo distanciamento em relação ao Brasil é também do país europeu. Segundo Kiev, a Ucrânia negligenciou sua relação com a América Latina e "não deu a mínima" para a região. "Esquecemos do continente. Ficamos cegos", admitiu um deles.

Para Kiev, recuperar a relação politica com o Brasil agora exige partir de um patamar negativo.