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Em dupla abstenção, Brasil não apoia nem Ucrânia e nem Rússia em votação
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não apoia uma resolução proposta por democracias ocidentais para condenar a agressão russa e que foi votada na Assembleia Mundial da Saúde. Mas tampouco votou favoravelmente a um texto proposto pelo Kremlin.
O gesto brasileiro de "dupla abstenção" vem num momento em que algumas potências ocidentais questionam a possibilidade política de o governo Lula de atuar como facilitador no conflito entre russos e ucranianos. O Palácio do Planalto, porém, tem proliferado declarações condenando a agressão russa, mas deixando claro um isolamento completo de Moscou poderia representar até mesmo um risco nuclear ao mundo.
Após o voto, a delegação do Brasil na OMS pediu a palavra para explicar a postura do país.
"Não acreditamos que nenhuma dessas propostas vão contribuir para reduzir os níveis de violência contra profissionais de saúde ou reduzir os danos às instalações de saúde da Ucrânia", disse. "Temos dúvidas de que vão melhorar o acesso à saúde para as populações afetadas", insistiu.
O governo brasileiro afirmou que entende que as regras da OMS autorizam a entidade a monitorar a situação de saúde em qualquer parte do mundo, "à luz de critérios técnicos e objetivos".
"Não é apropriado singularizar a situação na Ucrânia, sem se referir a outras crises sérias e similares", defendeu a delegação brasileira.
A governo ainda destacou os limites dos mandatos da OMS. Para ele, temas como paz e segurança "tem seu próprio espaço para debate, como a Assembleia Geral da ONU, o Conselho de Segurança ou Conselho de Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça.
O governo brasileiro ainda "lamentou" a proliferação de resoluções na OMS "sem um debate prévio e reais negociações, que minam o multilateralismo e o espírito de Genebra".
A proposta de texto que condena a Rússia foi circulada entre os governos na noite de segunda-feira e foi patrocinada por mais de 40 países, entre eles EUA, Alemanha, França, Coreia do Sul, Reino Unido e Austrália.
O Brasil não copatrocinou o texto e, ao votar, a instrução que o Itamaraty enviou para a delegação brasileira na OMS era de optar por uma abstenção.
O texto foi aprovado por:
- 80 votos de apoio
- 9 contra
- 52 abstenções
A lógica do Itamaraty é que a agência de Saúde não é o local para tratar de um tema que deveria estar no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral. Nesses órgãos, o Brasil votou ao lado de americanos e ucranianos condenando a agressão russa.
O temor ainda do Brasil é que as instituições internacionais sejam sequestradas na lógica do atual conflito, imobilizando outros debates.
Mas, na América do Sul, países liderados por governos de esquerda votaram ao lado da Ucrânia. Argentina, Chile e Colômbia foram alguns desses votos de apoio ao governo de Kiev.
Ao lado do Brasil estiveram outros países dos Brics, como Índia e África do Sul. Já a China votou contra a resolução, ao lado de Cuba, Síria e Coreia do Norte.
Na resolução contra Moscou, as potências ocidentais pedem que a comunidade internacional:
- Condene com veemência a agressão contínua da Federação Russa contra a Ucrânia, incluindo ataques a instalações de saúde documentados por meio do Sistema de Vigilância de Ataques a Serviços de Saúde da OMS, bem como ataques generalizados a civis e a infraestruturas civis essenciais que causaram muitas vítimas e dificultaram o acesso a serviços de saúde.
- Manifeste sérias preocupações com a contínua emergência de saúde na Ucrânia e nos países que recebem e acolhem refugiados, desencadeada pela agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, bem como com os impactos humanitários e de saúde mais amplos do que os regionais, incluindo, entre outros, um número significativo de refugiados que fogem da Ucrânia; os riscos de eventos e perigos radiológicos, biológicos e químicos; e a exacerbação de uma crise de segurança alimentar global já significativa
- Chame a atenção para o fato de que a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia continua a constituir circunstâncias excepcionais, causando um sério impedimento à saúde da população da Ucrânia, além de ter impactos regionais e mais amplos do que regionais sobre a saúde;
- Pede aos russos que cessem imediatamente todos os ataques a hospitais e outras instalações de saúde e a respeitar e proteger totalmente todo o pessoal médico e humanitário envolvido em tarefas médicas, seus meios de transporte e equipamentos, os doentes e feridos, civis, profissionais de saúde e de ajuda humanitária e sistemas de saúde;
- Que exorte os Estados Membros relevantes a aderir ao direito humanitário internacional e ao direito internacional dos direitos humanos, conforme aplicável, e às normas e padrões da OMS, e também a permitir e facilitar o acesso seguro, rápido e desimpedido às populações que necessitam de assistência por parte do pessoal destacado pela OMS no terreno e por todo o restante do pessoal médico e humanitário.
- Solicita ao diretor-geral da OMS que apresente uma avaliação do impacto direto e indireto da agressão da Federação Russa contra a Ucrânia sobre a saúde da população da Ucrânia, bem como os impactos regionais e não regionais relacionados à saúde, inclusive seu efeito adverso sobre a consecução do objetivo e das funções da OMS.
Brasil tampouco apoiou russos em seu projeto
Se o Itamaraty optou pela abstenção no caso do projeto pró-Ucrânia, a decisão do governo Lula foi a de seguir o mesmo caminho numa resolução proposta pela Rússia, reforçando a tese de que a guerra não deve ser a pauta da OMS e insistindo na postura de não envolvimento em nenhum dos lados do conflito.
O texto proposto pelo governo de Vladimir Putin foi amplamente derrotado. Apenas 13 países votaram ao lado dos russos, com 62 votos contrários e 61 abstenções, entre elas a do Brasil.
O Kremlin, em sua resolução, queria que a comunidade internacional se comprometa a não politizar o debate sobre a saúde. Entre os diversos pontos do projeto russo, o governo de Vladimir Putin pede que as autoridades:
- Reafirmem os princípios de neutralidade, humanidade, imparcialidade e independência na prestação de assistência humanitária, e reafirmando a necessidade de que todos os atores envolvidos na prestação de assistência humanitária em situações de emergências humanitárias complexas e desastres naturais para promovam e respeitem plenamente esses princípios;
- Peçam a todas as partes envolvidas a se abster da politização da cooperação global em saúde, a evitarem retórica de confronto global de saúde e evitem uma retórica de confronto que prejudique os esforços internacionais de apoio aos países em países em desenvolvimento que atualmente recebem assistência limitada, já que os recursos são desviados para o aumento militar em vez da recuperação da pandemia da doença do coronavírus (COVID-19);
- Expressem séria preocupação com a decisão do Comitê Regional da OMS para a Europa em 15 de maio de 2023, de encerrar o Escritório Europeu da OMS para a Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis, que funciona ininterruptamente e em plena escala em Moscou, sob o pretexto político da situação na Ucrânia.
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