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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Guerra na Ucrânia racha governo Lula e Brasil se divide em votação na OIT

Colunista do UOL

12/06/2023 15h24Atualizada em 15/08/2023 11h11

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A guerra na Ucrânia gerou uma situação inusitada nesta segunda-feira para a diplomacia brasileira. Numa votação na Organização Internacional do Trabalho, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rachou quando teve de lidar com uma resolução que condenava o regime em Belarus, a maior aliada dos russos.

Na entidade, cada país tem quatro votos. Dois são do governo, um dos trabalhadores e um quarto dos empregadores. Mas se tradicionalmente os governos dão seus dois votos da mesma forma, o Brasil acabou registrando um racha pouco comum.

Na pauta de votação estava a prisão de líderes sindicais e violações dos direitos de trabalhadores em Belarus, o principal aliado de Vladimir Putin e país onde os russos até mesmo deslocaram suas ogivas nucleares.

Instruída pelo Itamaraty, a missão do Brasil votou em abstenção no documento que condenava o regime em Minsk. Entre os cálculos da diplomacia, a meta era a de evitar tomar posições que possam afetar sua aposta de ser um eventual facilitador num diálogo entre russos e ucranianos. Votar contra Minsk, portanto, poderia ser visto como uma posição para politizar o debate na OIT e trazer a guerra para a agenda da entidade.

Mas a postura do Itamaraty não foi apreciada por outras áreas do governo, em especial o Ministério do Trabalho. Essa ala estimava que um governo liderado por um ex-sindicalista que chegou a ser preso, Lula, não poderia se abster diante das violações contra sindicalistas em outra parte do mundo.

Assim, no segundo voto do Brasil, a opção foi pela condenação de Belarus.

Por 301 votos, o governo de Minsk foi condenado pelo Comitê da OIT — 54 votos foram contra a proposta, enquanto outros 108 optaram por se abster, entre eles um dos votos do Brasil.

Por ser uma entidade composta por governos, trabalhadores e empregadores, as votações incluem as autoridades, sindicatos e entidades patronais. O peso de cada um é diferente e, por isso, o governo conta com dois votos.

Repressão contra sindicalistas

Após quase 20 anos de debates e inquéritos sobre o tratamento dado pelo regime de Minsk contra trabalhadores, foi decidido que o país seria colocado no grau mais elevado de pressão.

Comissões de Inquérito foram estabelecidas e nem assim o governo local atendeu às recomendações da OIT. Diante da falta total de diálogo, a proposta submetida era a de condenar o regime em Minsk.

Uma aprovação pode significar que a agência terá a possibilidade de afastar ou mesmo excluir o país da OIT.

Com trabalhadores detidos e exilados, a situação mobilizou sindicatos de todo o mundo. Entre os detidos estão líderes sindicais como Aliaksandr Yarashuk, Siarhei Antusevich e Iryna But-Husaim. Um deles é membro do Conselho da OIT.

No caso brasileiro, os representantes dos trabalhadores votaram pela condenação, num gesto de solidariedade aos sindicalistas presos e exilados.

Itamaraty quer evitar polarização

Em 1980, Lula foi preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Naquele momento, ele era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e foi indiciado na Lei de Segurança Nacional. Ele liderava naquele momento paralisação por reajuste salarial e estabilidade no emprego.

Mas, temendo uma polarização num momento de crise do sistema multilateral e da guerra na Ucrânia, o Itamaraty agora optou por uma abstenção. Delegações que também seguiram esse caminho da chancelaria alertaram que, se o tema estava sobre a mesa por 20 anos, foi a intenção de isolar ainda mais Putin que levou governos a forçar um voto. "Por qual motivo esse voto não ocorreu há cinco ou dez anos?", questionou um diplomata, na condição de anonimato.

Ainda na fase preliminar de votação, numa das comissões, o Itamaraty pediu a palavra para explicar seu posicionamento.

"O Brasil está fortemente preocupado com a situação em Belarus. Expressamos nossa mais sincera solidariedade aos membros de sindicatos e organizações de empregadores que desejam exercer seus direitos legítimos de acordo com suas liberdades civis", disse a delegação do Itamaraty.

Em seu discurso, o governo Lula pediu que as autoridades em Minsk garantam o "pleno respeito aos princípios e direitos trabalhistas da OIT, em particular a liberdade de associação e negociação coletiva". "Esses são valores historicamente defendidos pelo Brasil e que formam a base fundamental de nossa sociedade", disse.

A delegação ainda explicou que o Brasil "atribui a mais alta importância à liberdade de associação e aos direitos de negociação coletiva". "Exortamos as autoridades bielorrussas a se envolverem verdadeiramente com o sistema de supervisão da OIT e a retomarem imediatamente o diálogo e a cooperação para a implementação das recomendações da Comissão de Inquérito", pediu.

Para o Itamaraty, qualquer decisão tomada pelo Comitê e pela Conferência Internacional do Trabalho deve preservar a possibilidade de abordar a situação dos direitos humanos em Belarus "por meio do diálogo e do envolvimento do governo bielorrusso com a OIT e outras agências multilaterais". "É por isso que o Brasil se abstém de votar neste momento", completou.