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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Parlamento francês aprova veto ao acordo comercial com Brasil

Lula conversou com Macron durante no Japão durante o G7 - Ricardo Stuckert (PR)
Lula conversou com Macron durante no Japão durante o G7 Imagem: Ricardo Stuckert (PR)

Colunista do UOL

13/06/2023 11h49Atualizada em 15/08/2023 11h11

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Por uma enorme maioria, a Assembleia Nacional da França aprovou nesta terça-feira uma resolução contrária ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul, um mês antes da cúpula entre a Europa e a América Latina e dias antes do desembarque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à capital francesa. O texto não tem poder de lei. Mas politicamente representa um duro golpe contra as pretensões dos negociadores de fechar o pacto até o final do ano.

A resolução contou com 281 votos de apoio e 58 contra, no que foi considerado como um sinal da dificuldade que o tratado terá para ser eventualmente ratificado.

Para que o acordo comercial um dia entre em vigor, todos os parlamentos terão de ratificar o tratado, inclusive o francês. Historicamente, diferentes governos em Paris têm criado dificuldades para abrir o mercado local às exportações brasileiras e do Mercosul no setor agrícola.

A votação, agora, ocorre enquanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, visita os países do Mercosul para articular o entendimento. Em Brasília, na segunda-feira, ela disse que havia informado ao presidente Lula que tentaria fechar o pacto até o final do ano.

Na resolução aprovada em Paris, porém, os deputados convocam o governo de Emmanuel Macron a:

Informar à Comissão Europeia a oposição da França à adoção do acordo UE-Mercosul, diante da ausência de critérios de sustentabilidade e rastreabilidade para os produtos mais sensíveis em termos de combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.

Informar à Comissão Europeia da oposição da França na ausência de uma cláusula que possa suspender o acordo caso o Acordo de Paris seja violado.

Comunicar publicamente à Comissão Europeia que a França se opõe à adoção de um acordo fatiado apenas para os temas comerciais. Para os deputados, o acordo concluído em sua totalidade deve, portanto, ser submetido ao procedimento de ratificação, com uma votação unânime dos países, depois a uma votação no Parlamento Europeu e à ratificação por todos os Estados-Membros de acordo com o procedimento previsto em nível nacional, pela Assembleia Nacional e pelo Senado no caso da França.

Entre os argumentos, os deputados alegam que:

O objetivo desta proposta de resolução é solicitar ao governo que rejeite a assinatura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, conforme concluído em 2019, e qualquer tentativa da Comissão Europeia de fragmentar o acordo.

Para o Parlamento, a ideia é condicionar qualquer acordo futuro entre a União Europeia e o Mercosul ao cumprimento do Acordo de Paris e ao cumprimento das normas sanitárias e ambientais da União Europeia para todos os produtos agroalimentares importados.

Na avaliação dos deputados, "o acordo provavelmente aumentará o desmatamento importado" e "facilitará a entrada no mercado europeu de produtos alimentícios tratados com pesticidas e medicamentos veterinários proibidos pela regulamentação europeia, ou derivados de práticas de reprodução proibidas pela mesma regulamentação".

Segundo o texto da resolução, "o acordo celebrado entre a União Europeia e o Mercosul é incompatível, em sua forma atual, com a consecução dos objetivos do Acordo de Paris".

Ecologistas, socialistas e extrema direita se unem contra o Mercosul

O deputado Pascal Lecamp destacou a rara unidade entre diferentes partidos franceses para aprovar o texto. Para ele, não se pode aceitar um acordo que irá contribuir para desmatar a Amazônia. Segundo ele, a França deve fechar o acordo com o Mercosul. Mas, na forma que está, o tratado é "injustificável" e precisa ser revisto.

O deputado socialista Dominique Potier também subiu ao púlpito para criticar o acordo e alertou para o futuro da Amazônia. "Esse é um acordo arcaico. Diremos não ao Mercosul", apelou o socialista. "Precisamos sair desse tratado", defendeu.

Marie Pochon, deputada ecologista, defendeu que o acordo seja simplesmente vetado. "É um acordo desastroso para ambos os lados do atlântico", afirmou. "A meta da agricultura não é ser competitiva. É alimentar", disse. Para ela, os critérios estabelecidos pelo acordo são "chocantes".

Sebastien Jumel, deputado da Esquerda Democrática, se posicionou contra acordos de livre comércio. "Hoje, a França importa metade do frango consumido, dois terços dos peixes e metade dos legumes. Hoje, ela não tem soberania alimentar", criticou. "27% dos pesticidas usados no Brasil não proibidos na Europa", alertou.

Ele ainda criticou Macron, alertando que o presidente francês muda de postura sobre o acordo, dependendo da conveniência.

Além dos ecologistas e socialistas, a extrema-direita também é contra o acordo. Frederic Falcon, deputado do grupo Rassemblement National de extrema direita, atacou o Mercosul. "Vamos parar essa loucura antes que seja tarde. Renunciemos ao Mercosul", pediu.

Arnaud Le Gall, do partido de esquerda France Insoumise, alertou que o acordo é ruim até mesmo para o Mercosul, aprofundando a dependência do bloco na exportação de commodities.

O deputado Julien Dive, do partido de direita Les Republicans, alertou que o acordo é "desfavorável ao futuro do planeta" e aos produtores agrícolas da França. "Esse acordo é um risco imenso ao modelo francês", completou.

Reunião tensa e repleta de vaias

Numa sessão tensa, o governo francês criticou o comportamento dos deputados. "O tal protecionismo solidário que vocês defendem matará nossa economia", disse o ministro do Comércio Exterior, Olivier Becht, enquanto os parlamentares gritavam e vaiavam o chefe da pasta. "O protecionismo é uma inflação imposto sobre as famílias mais pobres", declarou.

Segundo ele, o muro que os deputados querem erguer vai impedir que os produtos franceses sejam exportados.

Becht, porém, deixou claro que o governo não apoia uma abertura sem limite e insistiu que o governo Macron vai exigir medidas ambientais por parte do Mercosul. "Em 2019, dissemos que o acordo era inaceitável tal como estava", esclareceu.

Segundo o ministro, condições foram estabelecidas para que Macron aceite o tratado e tais critérios foram informados ao governo Lula no mês passado. Entre eles, a França exige que todos os países façam parte do Acordo de Paris. Outro critério era o de colocar regras aos produtores do Mercosul que sejam equivalentes às normas existentes na agricultura europeia.

Insatisfação de ativistas

Apesar de a resolução representar um obstáculo político, ativistas franceses insistem que o texto não é suficiente.

O coletivo Stop CETA-Mercosur, que reúne dezenas de organizações da sociedade civil francesa e que há anos fazem campanha contra os diversos acordos de liberalização do comércio, pede uma ação mais contundente.

Segundo eles, por não ser vinculante, a resolução apresentada aos deputados é "insatisfatória".

"Enquanto a Comissão Europeia cultiva a opacidade, a resolução não faz nenhuma exigência em termos de transparência: esperamos que os membros do Parlamento Europeu exijam total transparência nas negociações em andamento", diz o coletivo.

"Negociado com base em um mandato emitido em 1999, o acordo UE-Mercosul é obsoleto tanto em princípio quanto em conteúdo - a referência ao "respeito ao Acordo de Paris" não mudará sua natureza", completam.