Jamil Chade

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Reportagem

Em meio ao esforço de paz, Rússia lança 70 ataques e guerra vive escalada

Enquanto ministros e negociadores de cerca de 40 países se reuniam na Arábia Saudita para tentar encontrar um caminho para estabelecer a paz entre russos e ucranianos, o governo de Moscou lançou nesta madrugada 70 ataques contra o território da Ucrânia, deixando pelo menos três mortos. Usando mísseis hipersônico e drones, o Kremlin respondeu aos ataques no sábado e sexta-feira que atingiram um de seus navios, no Mar Negro e nas proximidades da Crimeia.

O encontro, com a presença do Brasil, emergentes e o G7, foi encerrado no sábado pela noite em Jeddah sem avanços substanciais.

Ainda assim, os europeus comemoraram a existência de uma espécie de consenso de que a integridade territorial da Ucrânia precisa ser preservada, assim como a criação de grupos de trabalho que iriam examinar e debater pontos específicos de um eventual processo de negociação. Também foi estabelecido que mais uma cúpula será organizada, nos próximos meses. Mas, frustrando os interesses de Kiev, ainda sem a presença de chefes-de-estado.

Para diplomatas presentes na cúpula convocada pelos sauditas, a ofensiva militar de ambos os lados nos últimos dias é um sinal claro de que qualquer processo de negociação política será "desafiadora". "Ninguém parece querer negociar neste momento", afirmou um dos negociadores no evento.

Ao término da cúpula, o enviado especial da China defendeu que mais uma rodada de debates ocorra. Se confirmada, essa seria a terceira reunião, depois de Copenhague, em junho, e Jeddah neste fim de semana.

Uma vez mais, o governo ucraniano apresentou seu plano de paz de 10 pontos, insistindo que "vários" países teriam dado seu apoio. Mas o projeto é considerado por russos como uma capitulação por exigir, antes de qualquer negociação, a retirada de todas as tropas do Kremlin do território ucraniano.

Enquanto isso, porém, os combates não deram trégua. Kiev alega que a defesa aérea do país conseguiu destruir 30 dos 40 mísseis lançados na noite entre sábado e domingo. Os ucranianos garantem que todos os 27 drones usados também foram abatidos. Os russos, porém, não confirmam esses números. Um dos focos da ofensiva foi a região de Khmelnytskiy.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou os russos de atacar um centro de transfusão de sangue em Kharkiv e qualificou a ofensiva sobre a instalação médica como um "crime de guerra".

Enquanto isso, o governo de Vladimir Putin denunciou o uso de bombas por parte dos ucranianos em uma universidade na região de Donetsk, controlada pelos russos.

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O Kremlin ainda insiste que o ataque contra um navio petroleiro no Mar Negro era um sinal de uma escalada na guerra e insistiu em classificar o alvo atingido pelos ucranianos como "civil". Os ucranianos negam e apontam que o navio estava carregando combustível para tropas russas.

Kiev já havia feito outro ataque no Mar Negro, na sexta-feira, atingindo o porto de Novorossiysk. Segundo o governo ucraniano, desde a decisão de Moscou de romper com o acordo que permitia a exportação de grãos do país, todos os portos russos devem ser considerados como "potencial área de risco".

China apoia nova rodada de negociação e cúpula avalia criar grupos de trabalho

Enquanto isso, em Jeddah, negociadores buscaram nos últimos dois dias uma forma de estabelecer princípios sobre como uma negociação de paz poderia ocorrer.

Como estava previsto, a reunião terminou sem uma declaração final, mas os anfitriões sauditas poderão anunciar quais seriam os próximos passos para o diálogo.

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Uma dos pontos de convergência foi a criação de grupos de trabalho para debater caminhos para a paz, assim como acordos sobre possível troca de prisioneiros, a segurança nuclear ou o abastecimento de alimentos no mundo.

Alguns dos negociadores indicaram que houve ainda um acordo mais geral de que a soberania da Ucrânia e sua integridade territorial terá de estar no centro de qualquer acordo de paz.

Celso Amorim, assessor especial da presidência, participou por vídeo conferência. Num discurso, ele afirmou aos demais países que "o Brasil tem sido claro em sua condenação da violação da integridade territorial da Ucrânia e na defesa de todos os propósitos e princípios da Carta da ONU".

Segundo o embaixador, o presidente Lula "frequentemente expressa sua indignação com a continuidade das mortes e da destruição em uma guerra que, em suas palavras, "nunca deveria ter ocorrido". Amorim destacou como viajou tanto para Moscou como para Kiev.

Ainda assim, durante o debate, ele defendeu que os "interesses legítimos de segurança" de russos e ucranianos sejam considerados em um eventual processo de paz. Para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não haverá um fim para o conflito enquanto o governo de Vladimir Putin não esteja envolvido nos debates e a guerra precisa ser entendida dentro da perspectiva de uma rivalidade maior entre Moscou e o Ocidente.

Amorim fez o alerta por conta de uma pressão dos ucranianos para que o encontro termine com um apoio tácito dos participantes em relação ao projeto de paz de Kiev. Qualquer tentativa em uma direção diferente seria, do nosso ponto de vista, contraprodutivo para o processo que iniciamos em Copenhague", alertou.

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Brasil defende inclusão de Rússia em negociação

Segundo Amorim, qualquer saída para a guerra terá de envolver uma negociação que inclua russos e ucranianos.

"Como dissemos repetidamente, qualquer negociação real deve envolver todas as partes. "Embora a Ucrânia seja a maior vítima, se realmente quisermos a paz, temos que envolver Moscou neste processo de alguma forma", disse Amorim.

Uma paz duradoura precisa reconciliar os interesses legítimos de segurança de todas as partes, sob a égide do direito internacional.
Celso Amorim

Segundo ele, "para que essas preocupações possam ser abordadas de maneira adequada, é importante ter presente uma perspectiva histórica". "Este não é apenas um conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Este também é um capítulo na secular rivalidade entre a Rússia e o Ocidente", alertou.

"No caso desta guerra, as negociações deveriam incluir o questão do equilíbrio mais amplo de segurança na Europa", defendeu. Mas admitiu que é essencial que todos os interessados demonstrem disposição ao diálogo.

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Acordos humanitários como primeiro passo

Na avaliação de Amorim, um primeiro passo para superar a crise poderia ser por meio de acordos humanitários.

"Concordamos com a urgência de tratar dos temas humanitários mais prementes, como segurança alimentar, crianças desaparecidas e troca de prisioneiros", disse.

"Também enxergamos o potencial de atingir melhores resultados com maior envolvimento de entidades como a Santa Sé, agências da ONU e organizações humanitárias, inclusive a Cruz Vermelha", defendeu.

Segundo ele, os temas humanitários são importantes em si mesmos. "Mas eles também podem ser vistos como um passo na direção de uma negociação mais ampla que resulte na cessação de hostilidades e, ao fim, na paz", completou.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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