Jamil Chade

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Reportagem

Brasil vai propor embrião de moeda dos Brics em cúpula

A cúpula que ocorrerá na África do Sul nesta semana entre os líderes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e Índia (Brics) tentará fechar um acordo para acelerar o processo de transformação do cenário internacional e consolidar a aliança como um ator incontornável da diplomacia e geopolítica.

Em sua participação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará a ideia de iniciar estudos para estabelecer uma unidade de referência entre as cinco moedas do bloco. A meta é de que, realizado o trabalho, a aliança possa depois estabelecer se existe espaço para criar uma moeda que permita a realização do comércio sem passar pelo dólar.

O primeiro passo para isso, porém, seria o estabelecimento de uma espécie de unidade de referência de valor. O projeto já tem o apoio explícito de russos e é visto com simpatia pela China.

Como o Brasil assume a presidência dos Brics em 2025, uma das possibilidades é de que os estudos estariam finalizados até la e que, então, caberia ao governo brasileiro anunciar os resultados dessa iniciativa.

O governo brasileiro, porém, rejeita a ideia de que vai abrir uma frente de oposição ao dólar. Trata-se, segundo Brasília, apenas de pensar em novas alternativas no mundo.

Na esteira das transformações que os Brics querem promover, esse é um capítulo estratégico para que o comércio entre as cinco economias ocorra preferencialmente em moedas locais.

No futuro, isso reduziria o uso do dólar e a dependência em relação à moeda americana. Conforme os próprios diplomatas apontam, não se trata de uma questão financeira. Mas um posicionamento geopolítico de enormes proporções.

Para o governo americano, a redução do papel do dólar não significa apenas uma perda de hegemonia. Parte das sanções unilaterais aplicadas pelos EUA é no sistema financeiro, diante da presença dominante do dólar. Um país, portanto, pode ser asfixiado apenas ao ser impedido de usar a moeda americana.

Mas, se um sistema financeiro paralelo for criado com moedas alternativas, o poder da Casa Branca de impôr sanções é radicalmente reduzido.

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Num seminário promovido neste fim de semana pelos sul-africanos, o brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr. destacou como isso é usado.

"Houve uma instrumentalização do dólar como arma. Ou seja, o uso da moeda nacional/internacional e do sistema financeiro ocidental para atingir países hostis ou países vistos como tais", disse.

"Venezuela, Irã, Afeganistão e, em grande escala, a Rússia foram alvos de sanções e medidas punitivas que só puderam ser aplicadas porque o dólar e o sistema financeiro dos EUA ocupam a posição que ocupam no mundo", afirmou o economista.

Segundo ele, o caso da Rússia "não tem precedentes". "Após a invasão da Ucrânia, os EUA e seus aliados europeus decretaram o congelamento das reservas russas investidas em dólares e euros, no valor de cerca de US$ 300 bilhões, aproximadamente metade dos ativos internacionais líquidos da Rússia", disse.

"Evidentemente, o uso e o abuso da posição privilegiada do dólar levam a uma perda de legitimidade do sistema monetário internacional vigente. Isso causou uma erosão da confiança no dólar - e a confiança é um requisito indispensável para qualquer moeda. Em uma frase: os Estados Unidos são hoje o principal inimigo do dólar como moeda mundial", alertou.

Para ele, um ambiente propício para discussões sobre a reforma do sistema monetário e a desdolarização das transações internacionais foi "criado pelos próprios EUA".

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Nome da moeda: R5

O brasileiro ainda desenhou o que poderia ser o caminho para uma moeda do bloco. Segundo ele, "a questão é complexa, ao mesmo tempo financeira e política".

Mas, pelo menos, um candidato para nome da moeda já existe. Aleksei Mozhin, diretor executivo russo do FMI, notou que as moedas dos cinco países começam todas com a letra "R" - real, rublo, rúpia, renminbi e rand. Sua sugestão, portanto, é que a possível nova moeda seja chamada de R5.

Segundo Nogueira Batista, a R5 começaria como uma unidade de conta, assumindo a forma de uma cesta das cinco moedas. "Os pesos das cinco moedas refletiriam aproximadamente os pesos relativos das cinco economias", disse.

O renminbi teria o maior peso na cesta, seguido pela rúpia, depois pelo real e pelo rublo, com o rand tendo um peso menor.

"A moeda chinesa poderia, para dar um exemplo ilustrativo, representar 40% da cesta; a moeda indiana, 25%; as moedas russa e brasileira, 15% cada; e a África do Sul, 5%", explicou..

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Numa primeira etapa, o R5 poderia ser usado como unidade de denominação para determinadas transações e registros contábeis oficiais, além de ser adotado para substituir o dólar na contabilidade interna dos mecanismos financeiros criados pelo bloco.

Tanto o governo brasileiro como o economista apontam que nada disso significa que o R5 tenha uma existência física ou que um Banco Central dos BRICS seja criado. "O objetivo não seria criar uma moeda única que substituísse as cinco moedas nacionais", esclareceu o economista.


Em retiro, líderes dos Brics tentam redefinir mapa geopolítico do mundo

Mas a moeda não é o único tema da agenda. Se a hegemonia nos últimos 200 anos esteve no eixo entre Europa e EUA, o bloco deixará claro ainda durante a cúpula e em sua declaração final que o sistema está ultrapassado, que reformas são urgentes e que não haverá mais espaço para decisões internacionais sem a presença dos Brics.

Além da questão das moedas, dois outros temas estarão na agenda da reunião.

A expansão dos Brics

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Uma posição comum sobre a reforma dos organismos internacionais


Juntos, esses pontos significam uma movimentação nas placas tectônicas na política internacional como poucas vezes se registrou em décadas e a constatação de que uma nova relação de força passou a existir entre os emergentes e as potências ocidentais.

Mas, por enquanto, não existe consenso sobre como cada um dos pontos será tratado e, num retiro restrito aos líderes, a esperança é de que um acordo seja estabelecido.

O retiro está organizado para ocorrer na noite de terça-feira (22), em Johanesburgo. Será permitida a entrada apenas de l?deres, acompanhados por seus respectivos chanceleres e um número extremamente limitado de assistentes.

Vladimir Putin, o líder russo, não viajará até a África do Sul, diante do risco de ser preso por conta de um indiciamento pelo Tribunal Penal Internacional. Mas, no retiro e nos debates, participará por videoconferência, enquanto seu chanceler, Sergey Lavrov, estará no encontro presencialmente.

Tensão

Fontes entre os negociadores dos Brics revelam que a ideia da China era a de que não haveria uma negociação durante a cúpula. Xi Jinping, presidente chinês, é conhecido por sua presença "imperial" nos eventos e quer, sempre, que decisões já tenham sido tomadas antes de sua participação.

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Mas tanto o Brasil como os sul-africanos, com líderes que foram sindicalistas, estão confortáveis em estar em um retiro para negociar um acordo político. Entre as diplomacias estrangeiras, há um temor de que Lula e Ramaphosa acabem levando a melhor.


Expansão e confronto com chineses

Mas outro debate acalorado promete ser o da expansão do bloco. Ao longo dos últimos meses, negociadores trabalharam sobre diferentes cenários sobre o que poderia ser uma expansão da aliança. A ideia foi capitaneada pela China, num esforço para ampliar sua influência e, na visão de determinados grupos dentro do governo brasileiro, uma ofensiva para instrumentalizar os Brics.

Com o bloco repleto de seus aliados, a China poderia ampliar seu poder no debate internacional, em decisões em organismos internacionais e mesmo no estabelecimento da agenda de debates da ONU.

Para o Brasil, esse é um cenário que não atende necessariamente a seus interesses. O temor no Itamaraty é de uma perda do protagonismo nacional entre os emergentes e o risco de que o bloco fique refém dos objetivos estratégicos de Pequim.

Por isso, nos últimos meses, o Itamaraty fez questão de defender o estabelecimento de critérios que deveriam ser usados para a entrada de novos membros, assim como um equilíbrio regional. O objetivo era de permitir que aliados sul-americanos do Brasil pudessem fazer parte, contrabalanceando a chegada de aliados chineses.

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Quais os cenários possíveis:

Novos membros dos Brics precisam ser, antes, membros do NDB, o banco dos Brics

Bloco deve favorecer entrada de membros que já façam parte do G20

Sobre a mesa, existe a possibilidade de que a expansão ocorra para incluir de três a cinco novos membros. Mas isso apenas se houver consenso e critérios. No total, 22 países manifestaram interesse em fazer parte da aliança.


Risco de enfraquecimento da candidatura do Brasil no Conselho de Segurança

Mas a influência chinesa não é a única preocupação do Brasil. Um dos temores é de que, com um maior número de membros, a candidatura histórica de brasileiros, indianos e sul-africanos por assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU seja enfraquecido por concorrências internas entre os emergentes.

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Hoje, a China é vista pelo Brasil como um governo que não quer a expansão do Conselho de Segurança e que, nos bastidores, trabalha contra essa ideia. Com o bloco dos emergentes dobrando de tamanho e com aliados chineses, porém, a dúvida é se a candidatura brasileira não acabaria sendo afetada.

Outro temor é de que, sem critérios, governos que organizam as futuras cúpulas convidem para a mesa regiões sob disputa. Para 2024, a presidência do bloco será da Rússia e nada impede que Putin, para demonstrar poder, convide os líderes de Donetsk ao evento.

Qualquer que seja a decisão, ela vai redefinir as fronteiras entre as potências e, da parte dos emergentes, deixar claro que a existência de um novo bloco vai desafiar a supremacia estabelecida por Europa e EUA desde o século 18.

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