A semana em que a humanidade foi testada e fracassou
Na sexta-feira, momentos antes de o Conselho de Segurança da ONU se reunir, o representante palestino, Riyad Mansour, apareceu diante da imprensa internacional cercado por embaixadores dos demais países árabes. Era uma tentativa de demonstrar que existia uma união diante da crise humanitária que eclodia em Gaza.
Ali, porém, estava mais um ato de hipocrisia internacional, mascarado por diplomacia.
Como um ato deliberado, a agência da ONU para Refugiados Palestino - a UNWRA - foi completamente esvaziada. Ano após ano, ela registra um déficit de milhões de dólares e percorre o mundo com um pires na mão, solicitando desesperadamente dinheiro para uma população que carrega chaves - e a esperança - de casas que há décadas não existem.
Antes da atual crise eclodir, a agência sequer conseguiu coletar metade dos recursos que precisava para atender aos palestinos. Em Gaza, 80% deles viviam abaixo da linha da pobreza. Enquanto isso, sauditas destinavam meros US$ 27 milhões para a agência, contra US$ 10 milhões enviados pelo Catar, uma fração do que estão dispostos a gastar com o salário de Cristiano Ronaldo ou Neymar.
Agora, a preocupação desses governos árabes é de que tenham de lidar com milhões de palestinos deslocados e que um verdadeiro gueto em seus territórios seja estabelecido.
Mas enquanto bombas criminosas caem sobre civis em Gaza, o muro estabelecido pelo Egito continua de pé. Assim como a hipocrisia.
Momentos antes daquela cena de "união" do mundo árabe, numa outra sala da ONU, o embaixador de Israel causava indignação dos trabalhadores das agências humanitárias ao afirmar que a entidade deveria aplaudir o gesto de seu governo por ter avisado, com 24 horas de antecedência, que iria promover uma invasão terrestre de Gaza.
Isso tudo enquanto assistimos, incrédulos, a transmissão ao vivo da morte, enquanto hospitais se transformam em necrotérios.
Irrelevante se o prazo dado por Israel seria suficiente para tirar 1,1 milhão de pessoas da rota da morte. Irrelevante se nada fosse dito sobre o bloqueio que já dura mais de 16 anos em Gaza. Nenhuma palavra sobre o cerco medieval, enquanto o cheiro de morte paira sobre o ar. Nenhuma palavra sobre as repetidas violações a todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU e da ocupação.
Entre os líderes do Hamas, a semana foi permeada por tentativas de justificar a barbárie que cometeram contra jovens israelenses, em cenas de um grau perturbador de desumanidade. O porta-voz do grupo que conduziu atos de terrorismo intoleráveis, Osama Hamdan, chegou a indicar que "colonos não são civis". Ou seja: são alvos justificados de um ataque.
Enquanto isso, nas capitais de uma parcela do mundo árabe, uma torcida silenciosa se mobiliza para que Israel aniquile com o Hamas, visto como uma ameaça para alguns dos principais regimes ditatoriais da região.
Na Europa, um suposto bastião da moral e dos direitos humanos, a semana foi marcada também por outro incômodo silêncio diante dos crimes que Israel promovia sobre Gaza. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, evitou como pôde criticar o cerco realizado por Benjamin Netanyahu, insistindo apenas que "Israel tem o direito de se defende".
Horas depois de fazer a declaração de apoio, ela liberou um novo cheque de apoio humanitário aos palestinos, o que foi denunciado inclusive dentro da UE como uma espécie de "cala boca" a seus críticos na região.
Do lado americano, o tradicional aliado de Israel, o governo de Joe Biden já faz seus cálculos eleitorais sobre o que um apoio à ofensiva militar de Netanyahu poderia significar para a corrida presidencial de 2024.
O grau de cinismo atingiu outro ponto elevado quando o governo de Vladimir Putin, acusado de crimes de guerra, manobrou a reunião do Conselho de Segurança, apresentou um plano de cessar fogo, se posicionou como um defensor da paz e criticou o imobilismo da ONU. Nenhuma palavra sobre o veto que impõe quando o tema é sua invasão de outro território, no caso o da Ucrânia.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEm Kiev, Volodymyr Zelensky também pediu paz no Oriente Médio. Afinal, aquelas cenas estavam desviando o foco - e dinheiro - do mundo de seu próprio conflito.
Enquanto o choro inconsolável de mães e pais israelenses e palestinos ecoa pelos corredores da ONU, seres humanos de todos os lados da fronteira foram usados uma vez mais nesta semana como instrumentos de barganha política. Um choro que parece ser incapaz de ser escutado diante de projetos de paz soterrados sob camadas de hipocrisia.
Nesta semana, a humanidade foi testada. E fracassou terrivelmente.
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