Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Reportagem

Brasileiros são autorizados a sair de Gaza, mas impasse fecha fronteira

Após semanas de tratativas, frustrações, crises diplomáticas e incertezas, todos os brasileiros e seus parentes que estão em Gaza foram incluídos na lista de pessoas que poderão deixar a região. O governo de Israel colocou os brasileiros entre os nomes que poderão usar a fronteira com o Egito para deixar a região sob intenso bombardeio.

O grupo com 34 pessoas já se deslocou para as proximidades da fronteira, mas diplomatas brasileiros confirmam ela ainda não foi aberta. O motivo é um novo impasse em relação à passagem de ambulâncias. Israel quer garantias de que elas não estejam transportando membros do Hamas. Por enquanto, portanto, a fronteira continua fechada e o Itamaraty acha difícil que a saída ocorra hoje.

De fato, nenhum estrangeiro foi autorizado a cruzar a passagem nos últimos três dias e a nova crise amplia o desespero de centenas de pessoas.

Pelo acordo que existe entre Egito, ONU, EUA e Israel, os estrangeiros apenas pode passar depois que todas as ambulâncias com feridos façam o trajeto primeiro. Nos últimos dias, a suposta descoberta de combatentes nesses casos já levou o Egito a fechar a passagem.

O caso da evacuação vinha criando uma tensão entre o governo de Israel e o governo brasileiro. Os israelenses haviam sinalizado que a saída poderia ocorrer na quarta-feira. Mas, depois de dois atrasos sucessivos, os nomes finalmente foram incluídos na lista.

A espera de um mês gerou tensão e fortes preocupações dentro do governo brasileiro. No Itamaraty, essa retirada era considerada como prioridade. Qualquer incidente que pudesse causar a morte de um deles seria vista como um fracasso diplomático do governo.

Mesmo as ingerências do governo de Israel no Brasil e atos vistos como provocações por parte da diplomacia israelense foram abafados pelo Itamaraty para impedir que "ruídos" atrasassem ainda mais a liberação dos brasileiros.

Depois de paradas em Roma, Las Palmas (Espanha) e no Recife, o avião que aguarda pelos brasileiros deve chegar em Brasília entre domingo e segunda-feira. Não está descartado que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva os receba na base aérea, num sinal claro da importância política que a operação tem.

Agora, a lista apresenta 34 nomes, de um total de quase 600 pessoas que serão beneficiadas de várias nacionalidades, incluindo russos e chineses. Do grupo solicitado pelo governo. 22 pessoas têm dupla nacionalidade (brasileiros-palestinos). Os demais são palestinos, dependentes dos brasileiros. Dois deles ainda têm nacionalidade de outro país.

Continua após a publicidade

Apesar de o governo comemorar, a lista original causou inicialmente uma frustração. Ela não trouxe o nome de Jamila Ewaida, avó de Shahed al-Banna, uma jovem de 18 anos que foi autorizada a deixar Gaza.

Mas o governo brasileiro conseguiu reverter a situação e tratou a exclusão da idosa como apenas uma questão de erro administrativo. Fontes diplomáticas em Tel Aviv confirmaram ao UOL que Jamila Ewaida está na lista final.

Ao longo da semana, os atrasos ocorreram em parte por conta de acusações de que o Hamas estaria usando ambulâncias ou rotas de saída para permitir que seus combatentes pudessem sair de Gaza. Houve ainda outro incidente, com ataques contra ambulâncias que levavam feridos.

Por semanas, não houve acordo entre Egito e Israel para permitir que a fronteira fosse aberta. O governo de Cairo se recusou a permitir que os palestinos fossem transferidos para seu território, alegando que isso representaria uma ameaça para a estabilidade do governo egípcio e que o deslocamento acabasse enfraquecendo a causa palestina.

Já Israel não queria a abertura da fronteira, temendo que alguns dos combatentes e lideranças do Hamas poderiam tentar escapar.

Mas um delicado processo negociador foi estabelecido para permitir que cerca de 7 mil estrangeiros pudessem deixar Gaza.

Continua após a publicidade

Apesar de uma ampla gestão por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva com os governos do Egito, Catar, EUA, Israel e de várias outras partes, os brasileiros ficaram de fora das sete primeiras listas de pessoas que poderiam deixar Gaza.

A ausência de nomes dos brasileiros e a presença importante de americanos deixou o governo brasileiro irritado.

Na quinta-feira, o chanceler Mauro Vieira telefonou ao chefe da diplomacia de Israel para cobrar uma resposta. E a sinalização foi de que os brasileiros entrariam na lista de hoje (sexta-feira).

A saída de fato deles ocorrerá até o fim de semana. Do lado egípcio da fronteira, uma equipe de diplomatas brasileiros aguarda que as pessoas cruzem a passagem. Eles serão imediatamente embarcados num avião da presidência que, há semanas, está no Egito esperando para transportar os brasileiros de volta ao país.

Bolsonaro tenta manipular saída de brasileiros

O caso dos brasileiros ainda ganhou uma dimensão de política doméstica. A inclusão dos nomes ocorre dois dias depois de o ex-presidente Jair Bolsonaro se reunir com o embaixador de Israel em Brasília.

Continua após a publicidade

O ex-presidente afirmou que supostamente fez um pedido para o governo de Benjamin Netanyahu permitisse a saída dos nacionais. Desde então, nas redes bolsonaristas, a saída dos brasileiros é comemorada por um suposto feito de Bolsonaro. Até mesmo material publicitário havia sido produzido de forma "espontânea" por apoiadores do ex-presidente, com o anúncio.

Os fatos e a cronologia não condizem com a versão apresentada por bolsonaristas.

Tanto o Itamaraty como fontes ligadas ao processo negociador confirmam que as tratativas já tinham sido estabelecidas na semana passada e que Bolsonaro não teve qualquer papel nem na liberação dos brasileiros, nem na organização logística e nem nas negociações.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes