Jamil Chade

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Governo Lula já admite chance elevada de fracasso de acordo com UE em 2023

As declarações feitas neste sábado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, de que é contra um acordo entre o Mercosul e a União Europeia foram recebidas com "enorme preocupação" por parte de negociadores brasileiros, encarregados de conduzir a fase final de conversas entre os dois blocos. Para embaixadores, negociadores e funcionários envolvidos no processo, a possibilidade de um fracasso nas tentativas de um acordo é "mais real que nunca".

Mas os problemas não se limitam ao protecionismo francês.

As reuniões entre Mercosul e UE estavam programadas para começar neste domingo no Rio de Janeiro. Mas, já na sexta-feira, foi decidido que os encontros seriam apenas virtuais, um sinal de que não havia sequer um compromisso para garantir o processo negociador até o fim.

No final da semana, o motivo era a decisão informada aos demais parceiros pelo governo de Alberto Fernandez, na Argentina, de deixar a conclusão do acordo para o presidente eleito, Javier Milei. Ele assume o poder apenas no dia 10 de dezembro.

Neste sábado, enquanto uma parcela da delegação brasileira viajava de Brasília para a cidade carioca, a conferência de imprensa de Macron deixava claro que se existia ainda qualquer esperança de um acordo, os obstáculos em Buenos Aires e em Paris desmanchavam qualquer plano.

No Palácio do Planalto, a percepção é de que passou a ser "praticamente impossível" fechar um acordo até o dia 7 de dezembro, quando a presidência brasileira do Mercosul chega ao fim. "Com a incerteza do que fará Javier Milei e a oposição de Macron, acordo está fora de cogitação", lamentou um dos diplomatas. Para outra fonte do alto escalão do governo brasileiro, o processo está "quase enterrado".

A França não fala pelos europeus e ainda existe a possibilidade de que a Comissão Europeia faça um esforço para fechar um tratado. Mas o peso político de Paris é inegável e, na prática, pode paralisar todo o processo.

A avaliação dos brasileiros é de que a decisão política de Macron fortaleça todos os demais protecionistas na Europa que, por meses, estavam envergonhados de ir contra o projeto. Se nos anos de Jair Bolsonaro o argumento da França era o desmatamento na Amazônia, agora a justificativa desaparecia ao poucos, à medida que o Brasil mostrava dados positivos sobre o controle sobre a floresta.

Mas com a nova posição de Macron, explicando abertamente que não quer o acordo, países que nunca foram favoráveis ao tratado já comemoraram. Isso inclui os austríacos, poloneses e mais uma dezena de governos europeus que eram contrários a qualquer abertura de seus mercados aos produtos agrícolas do Mercosul.

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Fator Milei

Macron não é o único obstáculo. Apesar de Javier Milei, presidente eleito da argentina, ter dado sinais de que apoia um acordo entre Mercosul e UE, negociadores admitiram ao UOL que a incerteza que sua eleição causou já vem afetando as conversas. Durante a campanha, o argentino insistiu que iria tomar medidas contrárias ao Mercosul.

Adiar uma vez mais o prazo, porém, seria abrir uma incerteza total sobre a possibilidade de que sim dia o acordo possa de fato existir. Em 2024, a Europa vive sua eleição para o Parlamento Europeu, momento no qual nenhum governo estará disposto a fazer concessões comerciais e prejudicar seus respectivos setores agrícolas.

Enquanto isso, a presidência paraguaia, que assume o Mercosul em 2024, já também sinalizou que um fracasso agora com o Brasil será recebido como uma decisão para sepultar o acordo.

Últimas reuniões mostraram limites dos europeus

Entre os negociadores, a percepção era de que as últimas reuniões já tinham sido preocupantes. Num esforço para garantir espaço para o Novo PAC, o governo brasileiro queria garantias por parte da UE de que um acordo entre os europeus e o Mercosul não vai afetar a capacidade do país de promover sua política industrial.

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Nas últimas semanas, Bruxelas flexibilizou sua posição e aceitou maiores vantagens para as empresas brasileiras ao disputar contratos públicos. Mas, para o governo em Brasília, isso não foi suficiente.

Na semana passada, um encontro promovido no Brasil entre os dois blocos deixou diplomatas no Itamaraty preocupados. Oficialmente, a versão da chancelaria é de que importantes avanços estão sendo feitos. Mas, nos bastidores, os temores continuam de que a UE se recusará a fazer maiores concessões.

Pelo acordo fechado entre o governo de Jair Bolsonaro e a UE, em 2019, o Brasil ficaria sem o direito de dar espaço para a indústria nacional em temas relativos às licitações públicas. Empresas europeias teriam a possibilidade de competir de igual para igual.

Para um governo que quer a reindustrialização da economia, portanto, a medida seria uma ameaça. Haveria ainda a possibilidade de que os termos do tratado minassem alguns dos objetivos do Novo PAC, que justamente busca incentivar as empresas nacionais.

Desde meados do ano, quando o governo Lula sinalizou que queria rever o acordo, a UE iniciou um processo de avaliação.

O Brasil sinalizou que quer margens de preferências para a indústria nacional, algo considerado como um instrumento importante de política industrial.

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Segundo diplomatas brasileiros, houve já uma flexibilização por parte dos europeus. Mas está ainda abaixo do que o governo brasileiro considera como "equilibrado".

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