Jamil Chade

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Haia ordena a Israel que impeça genocídio em Gaza, mas ignora cessar-fogo

A Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, acatou apenas parte do pedido do governo da África do Sul e determinou que Israel tome "todas as medidas" para impedir que um genocídio ocorra contra palestinos na Faixa de Gaza. A decisão exige que Israel permita que a ajuda humanitária entre na região, que a destruição de casas e infraestrutura civil seja evitada e que ataques contra a população não ocorram.

Os juízes, porém, frustraram um dos aspectos centrais do pedido sul-africano e não fazem um apelo por um cessar-fogo, o principal objetivo da ação. O texto apenas pede garantias de que a população palestina tenha seus direitos e serviços respeitados.

A decisão foi anunciada nesta sexta-feira, na forma de medidas emergenciais tomadas pelos juízes do tribunal. Os juízes também pedem que o Hamas libere os reféns israelenses e insistem que todos devem estar submetidos ao direito internacional.

Embora o anúncio tenha peso político, Haia não tem meios de implementar sua decisão. Nas primeiras semanas da guerra na Ucrânia, a Rússia ignorou a medidas provisórias estabelecidas pela corte.

Eis as principais conclusões da corte:

Israel deve tomar medidas imediatas e eficazes para permitir o fornecimento de serviços básicos urgentemente necessários e assistência humanitária na Faixa de Gaza.

Israel deve tomar medidas para prevenir e punir o incitamento direto ao genocídio na Faixa de Gaza.

Israel deve informar ao tribunal, no prazo de um mês, o que está fazendo para cumprir a ordem de tomar todas as medidas ao seu alcance para evitar atos de genocídio em Gaza.

A decisão cria obrigações legais internacionais para Israel.

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Israel deve garantir, imediatamente, que seus militares não cometam nenhum ato descrito como genocídio;

Israel deve tomar medidas efetivas para prevenir a destruição e garantir a preservação de evidências relacionadas à atos de genocídio contra palestinos em Gaza.

Israel ainda fica proibido de causar danos corporais ou mentais graves aos membros do grupo sob ameaça, incluindo;

  • matar membros do grupo;
  • infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física
  • infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial; e
  • impor medidas destinadas a impedir nascimentos dentro do grupo.

Composta por 17 membros, a corte registrou dissidências entre os juízes. Mas a grande maioria votou por ordenar Israel a agir conforme o direito internacional.

Ainda que um cessar-fogo não tenha sido pedido, a decisão da corte foi recebida por diplomatas e advogados como um sinal de que Haia considera que existe base para temer um genocídio e que uma proteção é urgente. Para uma parcela dos observadores internacionais, trata-se de uma derrota para a versão adotada por governos europeus, americano e de Israel de que não existe risco de genocídio.

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Mas não deixou de ser considerado como "decepcionante" por parte de aliados palestinos o fato de que um cessar-fogo não tenha sido solicitado.

Reações de Netanyahu e Hamas

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que seu governo "continuará a fazer tudo o que for necessário" para se defender.

Já o Ministério de Relações Exteriores da Autoridade Palestina apontou que a decisão é um alerta de que "ninguém está acima da lei". "A Palestina saúda as medidas provisórias ordenadas hoje pela Corte Internacional de Justiça", afirmou o chefe da chancelaria, Ryad Al Maliki. "Os juízes da CIJ avaliaram os fatos e a lei. Eles decidiram em favor da humanidade e do direito internacional", disse.

"A ordem da CIJ deve servir como um alerta para Israel e para os atores que permitiram sua impunidade arraigada", afirmou.

Para o governo sul-africano, trata-se de uma "vitória decisiva" para o estado de direito internacional. Eles, agora, esperam "sinceramente que Israel não atue para frustrar a aplicação das ordens do tribunal". A decisão ainda "representa um marco significativo na busca por justiça para o povo palestino".

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Sami Abu Zuhri, representante do Hamas, comemorou a decisão da corte, indicando que a ordem dada por uma juíza americana que presidia o tribunal era um sinal do "isolamento" de Israel. Ele apela, agora, para que Israel cumpra a decisão.

Corte rejeitou tese de Israel

Como era previsto, a corte não entrou no mérito da acusação sul-africana, que aponta a existência de um genocídio sendo causado pelas ações israelenses contra a população palestina. Isso pode levar meses ou até anos para que os juízes se pronunciem.

O conflito começou no dia 7 de outubro, depois que o Hamas perpetrou um ataque contra civis israelenses e matou mais de 1.200 pessoas. A resposta de Israel tem sido, porém, denunciada por entidades internacionais por sua brutalidade e por ignorar a população civis palestina.

De acordo com a corte, Israel precisa tomar todas as medidas para impedir que as operações militares representem uma ameaça existencial aos palestinos. Um dos juízes em Haia é o brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant, que votou a favor das ações cautelares.

Ao ler a decisão, Joan Donoghue, juíza americana e que preside a corte, afirmou que "alguns atos" denunciados pelos sul-africanos podem entrar nas provisões da Convenção contra o Genocídio e, portanto, o tribunal tem a jurisdição para lidar com o caso.

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De acordo com a juíza, portanto, a corte não poderia aceitar o pedido de Israel para rejeitar o caso.

A juíza afirmou que a operação de Israel resultou em mortes, deslocamento de pessoas e destruição de casas. Ainda que reconheça que números de vítimas não podem ser verificados de forma independente, ela alerta que mais de 25 mil morreram e 1,7 milhão de pessoas foram deslocadas.

A corte ainda usa declarações da ONU, como a de Gaza é região de "morte e desespero" e "inabitável". Ela ainda cita a constatação da OMS que aponta que 93% dos palestinos vivem fome ou desnutrição. Donoghue fez questão de apontar como as declarações de autoridades israelenses adotaram retórica que visava a desumanização dos palestinos, sem distinção entre o Hamas e a população local.

O centro da decisão, portanto, era se existia um "risco de dano irreparável" à população palestina. Na avaliação da corte, há a necessidade de que os direitos dos palestinos de serem protegidos contra um genocídio sejam preservados.

Segundo a juíza, a "situação catastrófica corre o risco de piorar ainda mais antes de julgamento final" por parte da Corte.

Incitamento ao genocídio

Outra decisão da corte foi a de que Israel interrompa qualquer tipo de incitamento ao genocídio. A juíza americana apresentou exemplos de declarações de lideranças israelenses que poderiam significar um ato neste sentido, inclusive por ministros e pelo presidente do país.

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A avaliação sobre o possível genocídio cometido por Israel levará ainda meses — ou até anos — para ser julgada.

Mesmo que não seja acatada, a ordem de Haia será usada politicamente por governos para pressionar Israel e seus aliados a frear as ações em Gaza. A esperança é que as medidas cautelares impostas pela Corte criem uma pressão diplomática sobre o governo de Benjamin Netanyahu, que ignorou todas as resoluções da ONU que também pediam um cessar-fogo.

Nos bastidores, a estratégia é a de estabelecer uma situação na qual ficará cada vez mais insustentável a continuação dos ataques, obrigando ambos os lados — o Hamas e Israel — a aceitar uma negociação.

Brasil queria anúncio de cessar-fogo

A busca por um cessar-fogo foi o que levou o governo brasileiro a apoiar politicamente a ação sul-africana na Corte em Haia. Num recente discurso no Conselho de Segurança da ONU, o embaixador brasileiro, Sergio Danese, explicou:

"As medidas provisórias solicitadas pela África do Sul à Corte Internacional de Justiça, com o objetivo de evitar o risco de genocídio, exigindo "a suspensão imediata das operações militares em Gaza e contra Gaza", são muito urgentes e necessárias".

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Segundo ele, "o pronunciamento solicitado pelo principal órgão judicial da ONU não só pode possibilitar a ajuda humanitária necessária e salvar vidas civis, mas também pode contribuir para a criação de um ambiente propício para a restauração do diálogo político e para a retomada das negociações visando à solução de dois Estados".

Para Danese, o pedido de cessar-fogo em Gaza não aborda as causas fundamentais do conflito, o que é necessário para uma paz duradoura na região.

O que diz a queixa

No final de 2023, o principal órgão judicial das Nações Unidas foi acionado diante das "supostas violações por parte de Israel de suas obrigações segundo a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio em relação aos palestinos na Faixa de Gaza".

Há um mal-estar entre uma parcela da comunidade internacional que lembra que, semanas depois a invasão russa sobre a Ucrânia, o mesmo tribunal agiu, abriu um processo e determinou medidas provisórias contra Moscou.

O Tribunal Penal Internacional, que também fica em Haia, já está investigando possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos tanto pelo Hamas quanto por Israel. Mas sem qualquer ação até o momento.

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O silêncio das cortes internacionais diante da morte de milhares de pessoas em Gaza, portanto, tem sido alvo de críticas.

De acordo com o requerimento sul-africano, "os atos e omissões de Israel têm caráter genocida, pois foram cometidos com a intenção específica necessária para destruir os palestinos em Gaza como parte do grupo nacional, racial e étnico palestino mais amplo".

A África do Sul busca fundamentar a jurisdição da Corte no Artigo 36, parágrafo 1, do Estatuto da Corte e no Artigo 9 da Convenção sobre Genocídio, da qual tanto a África do Sul quanto Israel são partes.

Em 11 de janeiro, a África do Sul apresentou seus argumentos à corte. Para o embaixador Vusimuzi Madonsela, Israel cometeu"atos genocidas" e fazem "parte de uma série de atos ilegais" perpetrados contra o povo palestino desde 1948.

O que argumenta Israel

Ao se defender diante da corte, no dia 12 de janeiro, o governo de Israel tentou inverter a acusação, apontando que havia uma relação de apoio ao Hamas na queixa sul-africana.

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Tal Becker, consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores de Israel, afirmou que a África do Sul mantinha laços estreitos com o Hamas e que havia "ignorado" os eventos de 7 de outubro em seus argumentos orais.

Galit Raguan, diretor interino da divisão de justiça internacional do Ministério da Justiça de Israel, culpou o Hamas pelo alto número de civis em Gaza.

Outro argumento usado por Israel é que o governo estava agindo para facilitar a ajuda humanitária.

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