Jamil Chade

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Israel acusa chefe da ONU de ignorar evidências contra funcionários em Gaza

A acusação de uma suposta participação de funcionários da ONU nos ataques do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, se transforma em uma crise diplomática. Neste domingo, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, partiu para o ataque contra o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, acusando o chefe da entidade de ter ignorado evidências apresentadas a ele.

Na sexta-feira, a ONU anunciou que abriu investigações sobre o caso. A notícia levou o governo dos EUA a anunciar a suspensão do repasse de dinheiro para a agência que se dedica a cuidar dos refugiados palestinos, a UNRWA. Um dia depois, os governos do Reino Unido, Alemanha, Itália, Holanda, Suíça, Canadá, Austrália e Finlândia adotaram a mesma estratégia.

O problema, segundo fontes da entidade, é que os anúncios foram feitos por alguns dos maiores doadores da agência, o que levou seus diretores a organizar encontros de emergência para tentar entender como ficam as contas da operação para atender a 2,2 milhões de pessoas em Gaza.

Juntos, os países que anunciaram a suspensão de recursos são responsáveis por grande parte do orçamento da instituição. Em 2022, por exemplo, a agência recebeu US$ 1,1 bilhão para suas operações. US$ 425 milhões vieram desses governos que agora optaram por suspender seus repasses. Se a UE for incluída, isso significaria mais US$ 114 milhões.

Durante a madrugada, Guterres emitiu um comunicado no qual anunciou que foi tomada uma "ação rápida após as alegações extremamente graves contra membros da equipe da UNRWA". "Uma investigação do Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU foi imediatamente acionada", disse.

Segundo ele, das 12 pessoas implicadas, 9 foram imediatamente identificadas e demitidas pelo Comissário Geral da UNRWA, Philippe Lazzarini. Uma foi confirmada como morta (no dia 7 de outubro), e a identidade das outras duas está sendo esclarecida.

"O Secretariado está pronto para cooperar com uma autoridade competente capaz de processar os indivíduos de acordo com os procedimentos normais do Secretariado para tal cooperação", afirmou Guterres.

Qualquer funcionário da ONU envolvido em atos de terror será responsabilizado, inclusive por meio de processo criminal
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas

A UNRWA também havia anunciado anteriormente uma revisão completa e independente da organização em 17 de janeiro.

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Mas Guterres também fez um apelo para que as doações não sejam interrompidas. "Enquanto isso, 2 milhões de civis em Gaza dependem da ajuda crítica da UNRWA para sobreviver diariamente, mas o financiamento atual da UNRWA não permitirá que ela atenda a todos os requisitos para apoiá-los em fevereiro", disse.

Embora eu entenda suas preocupações -- eu mesmo fiquei horrorizado com essas acusações --, faço um apelo veemente aos governos que suspenderam suas contribuições para que, pelo menos, garantam a continuidade das operações da UNRWA.
António Guterres

"Os supostos atos abomináveis desses funcionários devem ter consequências. Mas as dezenas de milhares de homens e mulheres que trabalham para a UNRWA, muitos deles em algumas das situações mais perigosas para os trabalhadores humanitários, não devem ser penalizados. As necessidades terríveis das populações desesperadas que eles atendem devem ser satisfeitas", alertou.

Israel acusa Guterres e diz que países financiam Hamas

Como resposta, porém, Erdan afirmou que o chefe da ONU ignorou repetidamente as "provas" apresentadas a ele com relação ao envolvimento da UNRWA em "incitação e terrorismo".

"Todo país que continua a financiar a UNRWA antes de uma investigação abrangente da organização deve saber que seu dinheiro pode ser usado para o terrorismo, e a ajuda que será transferida para a UNRWA pode chegar aos terroristas do Hamas em vez de chegar ao povo de Gaza", declarou o embaixador, nas redes sociais.

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Nas primeiras semanas da guerra, o mesmo embaixador chegou a pedir a demissão do chefe da ONU depois que o português, no Conselho de Segurança, alertou que os ataques do Hamas não aconteciam num "vácuo" e que a ocupação de Israel sobre os territórios palestinos deveriam ser encerrada. Com outros órgãos internacionais, a crise também foi instalada. Na OMS, a troca de farpas entre o diretor-geral Tedros Gebreyesus e o governo de Israel também marcou os últimos dias.

Ainda em 2023, as agências humanitárias da ONU chegaram a dizer que Israel havia negado vistos para seus funcionários.

Agência diz que conta com 3.000 funcionários ainda em operação

Philippe Lazzarini, comissário-geral da UNRWA, já havia criticado o corte de recursos no sábado. "É chocante ver uma suspensão de fundos para a Agência em reação a alegações contra um pequeno grupo de funcionários, especialmente considerando a ação imediata que a UNRWA tomou ao rescindir seus contratos e solicitar uma investigação independente e transparente", disse.

Peço aos países que suspenderam seu financiamento que reconsiderem suas decisões antes que a UNRWA seja forçada a suspender sua resposta humanitária. As vidas das pessoas em Gaza dependem desse apoio, assim como a estabilidade regional.
Philippe Lazzarini, comissário-geral da UNRWA

De acordo com ele, cerca de 3 mil dos 13 mil funcionários principais em Gaza continuam a se apresentar para trabalhar, dando às suas comunidades uma "tábua de salvação que pode entrar em colapso a qualquer momento devido à falta de financiamento".

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Em sua opinião, seria "imensamente irresponsável sancionar uma agência e toda uma comunidade que ela atende por causa de alegações de atos criminosos contra "alguns indivíduos, especialmente em um momento de guerra, deslocamento e crises políticas na região".

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