Governo Lula teme que cortes na ONU aprofundem crise em Gaza
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva teme que os cortes anunciados pelos maiores doadores do Ocidente para a ONU aprofundem ainda mais a crise humanitária em Gaza. O Brasil é o único país latino-americano membro do conselho consultivo da Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA, sigla em inglês).
Na semana passada, enquanto a Corte Internacional de Justiça ordenava que Israel evitasse um genocídio em Gaza, o governo de Benjamin Netanyahu anunciou que havia entregue para a ONU evidências de que 12 de seus funcionários participaram dos ataques do Hamas contra o país, em 7 de outubro de 2023.
As informações levaram a ONU abrir um inquérito e os suspeitos foram demitidos. Mas a agência com mais de 13 mil funcionários e que garante o abastecimento para 2,2 milhões de palestinos teve seu financiamento duramente afetado depois que governos ocidentais anunciaram a suspensão de repasses para a entidade.
EUA, Canadá e os europeus alegam que apenas voltarão a dar dinheiro para agência depois de o caso ter sido elucidado. O corte foi criticado pela ONU, que denuncia a atitude como uma "punição coletiva" contra todos os palestinos.
Segundo a agência, se não houver uma retomada do financiamento, a entidade deixará de atender os palestinos no final de fevereiro. António Guterres, o secretário-geral da ONU, fez um apelo no domingo para que os governos reavaliem a decisão de suspender os pagamentos.
Consultadas, fontes do governo brasileiro indicaram que estão examinando o caso e acompanhando os passos tomados pela agência para abrir investigações. O tema passou a ser alvo de discussões no Itamaraty, mas ainda não existe qualquer anúncio de um aumento da contribuição brasileira.
A constatação em Brasília é que o corte de recursos anunciado nos últimos dias "preocupa" e que agrava a situação dos 2,2 milhões de palestinos em Gaza. Nos últimos informes da agência, circulado entre diplomatas, a situação é dramática e afeta 90% da população local. O temor é que, com a infraestrutura destruída, doenças e a fome comecem a matar tanto quanto as bombas.
Amorim anunciou contribuição "substancial"
O Brasil iniciou suas doações à agência no segundo mandato do presidente Lula. O gesto significava um caminho para que a diplomacia brasileira pudesse participar dos debates das região e permitiu que o país passasse a ser o único latino-americano entre os 29 membros do Conselho Consultivo da agência. Mas os recursos foram drasticamente reduzidos depois do impeachment de Dilma Rousseff.
Em 9 de novembro de 2023, num discurso em Paris, o assessor especial da presidência, Celso Amorim, afirmou que, 2006 e 2016, o Brasil destinou US$ 20 milhões. Depois de uma queda drástica do apoio brasileiro para a agência a partir dos anos de Michel Temer, Amorim sinalizou que haveria uma mudança.
"Tendo fornecido à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) um total de US$ 20 milhões entre 2006 e 2016, estamos determinados a retomar nosso compromisso com a agência", afirmou o embaixador.
"Uma contribuição financeira simbólica à UNRWA está sendo feita imediatamente. Uma contribuição mais substancial está sendo preparada e será anunciada em breve", declarou.
Em 2022, o Brasil destinou apenas US$ 75 mil para a agência, valor que foi repetido em 2023.
Para Giancarlo Summa, ex-diretor de Comunicação da ONU no Brasil e responsável pela aproximação entre a agência e o governo brasileiro há uma década, o governo Lula tem a possibilidade agora de liderar uma ofensiva do Sul Global para socorrer a entidade.
Hoje, segundo ele, os países do Brics representam um PIB maior que o G7. Mas contribuem com apenas 1% dos recursos da agência em Gaza.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Quando o Brasil se aproximou da agência, o gesto foi recebido como uma boa notícia. O Brasil não era nem uma autocracia do Golfo e nem uma potência do Ocidente. Sua participação, portanto, significava a diversificação da agência", contou.
Agora, segundo ele, o Brasil "tem a oportunidade de ter um papel à altura da tradição de sua diplomacia".
"O Brasil pode ser o país do Sul Global a liderar um movimento para salvar a UNRWA", defendeu. Segundo ele, sem a agência, os palestinos "vão morrer ainda mais".
"O Ocidente mostrou que pode ser cínico e irresponsável", disse. "O Sul Global pode mostrar que é diferente", completou.
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