Assessor de Milei fez parte da 'rota da desinformação' sobre urnas, diz PF
Fernando Cerimedo, que trabalhou na campanha eleitoral de Javier Milei na Argentina, é apontado nos documentos da Política Federal como parte da operação que supostamente teria orquestrado uma proliferação de desinformação para abrir caminho a um golpe de Estado no Brasil.
As informações estão na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou prisões e buscas contra ex-ministros e integrantes do núcleo duro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao longo da campanha do vencedor da eleição na Argentina, Cerimedo atraiu a atenção da imprensa argentina, justamente por conta de suas polêmicas no Brasil.
Agora, a PF aponta que ele fazia parte do que foi chamado de "Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral" durante as investigações. O grupo composto ainda por nomes como Mauro Cid e Anderson Torres tinha como função a "produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado, conforme exposto no tópico 'Das Medidas para Desacreditar o Processo Eleitoral' constante na presente representação".
Cerimedo e os demais membros teriam ainda produzido e divulgado "estudos", sempre com a meta de "estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e de instalações das Forças Armadas".
Segundo a decisão do STF, a "divulgação (por parte de Cerimedo) em uma live de notícias fraudulentas sobre uma suposta investigação sobre as eleições brasileiras e constatação de disparidades entre a distribuição de votos nas urnas eletrônicas mais novas e mais antigas (que implicariam anomalia favorável ao candidato de número 13 nas urnas fabricadas antes do ano de 2020) é exemplo de tal estratégia ilícita e antidemocrática".
Para a PF, Cerimedo "utilizou os mesmos argumentos falsos criados por hackers, citados em conversa mantida entre Mauro Cid e Sérgio Ricardo de Medeiros".
A investigação apontou que, na data de transmissão da live, Cid recebeu um link para direcionamento a arquivos no Google Drive em que constava a gravação da transmissão ao vivo e versão resumida do vídeo. Isso, segundo a PF, serviria para "facilitar a disseminação dessas notícias fraudulentas e amplificar a ilícita desinformação".
Investigados teriam concluído que fraude estava 'comprovada'
A apuração ainda mostrou que o material também transitou em conversas mantidas entre Guilherme Almeida (tenente-coronel então lotado no Comando de Operações Terrestres do Exército - COTER) e Cid.
Almeida "chega a afirmar que a fraude estaria comprovada e 'acabou para o Lula!', bem como se coloca a disposição para encaminhar o material fraudulento que, segundo afirma, teria sido retirado do ar".
Os documentos ainda revelam que há uma comemoração sobre a "criação e organização de um site que contemplaria todo o material fraudulento, hospedado em Portugal".
Segundo a autoridade policial, a investigação ainda sinalizou a existência de relação do major da reserva Ângelo Martins Denicoli e Cerimedo, "no sentido de disseminar desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro".
Além disso, publicações na rede social Twitter, realizadas pelo usuário "Marcelo Oliveira - @Capyvara", demonstraram, segundo a PF, "que uma pasta no serviço de nuvem GOOGLE DRIVE, criado por FERNANDO CERIMEDO, teria sido alimentado com arquivos de autoria do Major ANGELO MARTINS DENICOLI.
A investigação constatou que os arquivos "estariam relacionados à disseminação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas", a evidenciar o elo entre o conteúdo abordado na live realizada pelo argentino e o grupo ora investigado".
A análise dos dados armazenados na nuvem também identificou que alguns arquivos foram modificados por Eder Baldino, sócio da empresa Gaioio. Segundo a PF, ele atuou na elaboração do relatório assinado pelo Instituto voto Legal (IVL), utilizado pelo Partido Liberal para embasar uma representação perante o Tribunal Superior Eleitoral, pedindo a anulação de votos registrados em urnas fabricadas anteriormente ao ano de 2020.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberA rota da desinformação
A conclusão da PF é de que existiria uma "ação coordenada dos integrantes do grupo criminoso para amplificação das falsas narrativas que construíram e replicavam acerca do sistema eleitoral brasileiro, estando ainda devidamente comprovada a relação mantida entre Fernando Cerimedo, Angelo Martins Denicoli e Eder Balbino".
A cronologia dos fatos apresentados demonstra que os investigados utilizaram, de forma coordenada, diversos meios para disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral brasileiro.
A rota da desinformação funcionaria da seguinte forma:
- O material apresentando falsas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas produzidas antes de 2020 foi elaborado pelo grupo, inclusive com o auxílio do que Cid chamou de "nosso pessoal", se referindo a especialistas na área de informática (incluindo hackers).
- Seguindo a estratégia de difusão por multicanais, o material é repassado para o argentino Fernando Cerimedo, que disseminou o conteúdo falso em uma live realizada em 4 de novembro de 2022.
- O conteúdo da live foi resumido e propagado por vários integrantes da organização, inclusive por militares.
- Em seguida, visando burlar as ordens judiciais de bloqueio, os investigados disponibilizaram o conteúdo em servidores localizados fora do país. Identificou-se ainda que o mesmo conteúdo também estava contido no documento nominado "bolsonaro min defesa 06.11- semifinal.docx", endereçado ao General Paulo Sérgio Nogueira. de Oliveira, então ministro da Defesa e encaminhado por CID ao General Braga Netto, por WhatsApp.
- A última etapa foi a "Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária", apresentada pelo Partido Liberal no dia 22 de novembro de 2022.
A representação eleitoral foi indeferida pelo TSE por ser "ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneiro inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência vem obstruindo diversos rodovias e vias públicos em todo o Brasil".
"No entanto, mesmo os investigados tendo ciência da chance remota de êxito, a estratégia adotada teve a finalidade de servir de fundamento para a tentativa de execução do golpe de Estado, que estava em curso desde novembro de 2022", alerta o STF.
A decisão conclui que "a contestação formal ao resultado das eleições por um partido político juntamente com a disseminação da narrativa falsa por meio de influenciadores digitais e alguns integrantes da mídia tradicional, com forte penetração em parcela da população ligada à direita do espectro político manteve o discurso de uma atuação do Poder Judiciário, especialmente do STF e do TSE, ilícita, extrapolando os limites constitucionais, com a finalidade de impedir a reeleição do então Presidente Jair Bolsonaro, indicando para seus seguidores o esgotamento dos instrumentos legais para reversão do resultado, devendo-se adotar uma outra forma de ação mais contundente, diante das 'arbitrariedades' do poder judiciário".
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