Jamil Chade

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Guerra na Ucrânia deixa rastro de destruição ambiental, conclui informe

A Rússia deve pagar pelo dano ambiental causado à Ucrânia, inclusive por conta da contaminação gerada pelas minas terrestres. A conclusão é de um informe produzido por uma equipe internacional formada por nomes como a ex-ministra do Meio Ambiente no Brasil, Izabela Teixeira, e Greta Thunberg.

O grupo de doze especialistas ainda aponta que o Kremlin é provavelmente o responsável pelo colapso da barragem de Kakhovka que, em junho de 2023, rompeu e inundou um amplo território ucraniano usado para agricultura. Moscou sempre acusou Kiev pelo incidente.

A iniciativa de examinar a situação ambiental foi tomada pela presidência ucraniana que formou uma equipe internacional para apurar a dimensão dos problemas e apresentar propostas concretas para lidar com a crise.

Uma das escolhidas para a tarefa foi Izabela Teixeira, ministra do Meio Ambiente entre 2010 a 2016, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

"A natureza não aguenta mais as guerras", disse ao UOL a brasileira que percorreu o território ucraniano.

Em 2013, ela recebeu o prêmio Champions of the Earth, concedido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Em 2015, a brasileira teve um papel central nas negociações da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Em 2017, já fora do governo, ela foi eleita para o cargo de co-presidente do Painel de Recursos Naturais da ONU.

Recomendações

Entre as 50 recomendações apresentadas, o grupo pede a criação de um órgão de alto nível para supervisionar a coleta e a preservação de evidências de impactos ambientais, o desenvolvimento de uma estratégia, por parte do procurador-geral da Ucrânia, para processar danos ambientais em tempos de guerra.

O grupo também recomendou que a Ucrânia acelere o desenvolvimento de sua estratégia de ação contra minas terrestres e crie uma orientação nacional sobre a remoção de resíduos tóxicos, e sedimentos contaminados do rompimento da barragem de Kakhovka.

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O documento é categórico em afirmar que "a Ucrânia sofreu danos catastróficos desde o ataque militar em grande escala da Rússia em fevereiro de 2022". "O meio ambiente foi uma das vítimas mais significativas da guerra", apontou o grupo. Segundo eles, "as consequências ambientais da invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia foram profundas e de longo alcance". Em outro trecho do informe, o grupo ainda destaca que os ataques ao meio ambiente tiveram um "efeito direto sobre as vidas humanas e os meios de subsistência".

De acordo com o documento, a Ucrânia sofreu:

Liberação de produtos químicos perigosos e poluição de instalações industriais danificadas;

Riscos devido à militarização de instalações nucleares;

Impacto na qualidade do ar devido à devastação de cidades e florestas queimadas;

Consequências econômicas e ecológicas de danos a áreas agrícolas, florestas e reservas naturais;

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Poluição da água e destruição da infraestrutura hídrica;

Ecossistemas sensíveis terrivelmente poluídos, inclusive em áreas costeiras e marinhas.

Na avaliação do grupo, porém, o problema não é apenas de Kiev. "Os riscos e danos ambientais também se estendem para fora da Ucrânia, de modo que o mundo como um todo é diretamente afetado por essa guerra", afirmam.

Nuclear

Um dos pontos tratados é o risco que a guerra representa para as usinas nucleares na Ucrânia. "A ameaça de catástrofe nuclear deve receber a máxima atenção, com a necessidade urgente de interromper o ataque e a ocupação militar de usinas nucleares", defendem.

Outro aspecto é o impacto da guerra na disponibilidade e o preço dos alimentos em todo o mundo em desenvolvimento. O informe ainda aponta que a guerra aumentou as emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que desviou a atenção das metas climáticas essenciais na Europa e em outros lugares. "Os vizinhos da Ucrânia sofrem com a poluição atmosférica causada pela guerra, e os vizinhos do Mar Negro enfrentam minas e danos à vida selvagem do mar", alertam.

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Quem paga a conta

No início de 2024, o governo de Kiev calculou os danos ambientais da guerra em cerca de 56 bilhões de euros. Agora, o grupo destaca que "é preciso haver responsabilidade pela destruição ambiental maciça causada pelas forças russas".

Se em Kiev o procurador-geral ucraniano criou uma estrutura para investigar e processar esses crimes, os especialistas destacam a necessidade de que haja uma cooperação com o Tribunal Penal Internacional. Para eles, Haia "tem legitimidade legal para investigar e processar atos cometidos na Ucrânia por pessoas de qualquer nacionalidade, desde novembro de 2013".

Para eles, além da acusação de danos ambientais, seja como crime de guerra ou como ecocídio, a responsabilização também deve incluir a obtenção de reparações, especialmente do estado responsável pelo dano.

"O direito internacional exige que a Rússia pague pelos danos causados por seu uso ilegal da força contra um Estado soberano", afirmam os especialistas.

O grupo incentiva que todas as vias de reparação sejam consideradas. Alguns especialistas defenderam o uso de ativos do Estado russo que foram congelados em contas no exterior. Além disso, é examinado se as receitas geradas por esses ativos congelados podem ser usadas para a recuperação e a reconstrução da Ucrânia.

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Os especialistas ainda destacam que, para garantir que sejam oferecidas reparações completas pelos danos ambientais da guerra, é importante que os dados sejam coletados e preservados de forma científica e legalmente sólida.

"Esses esforços podem ter um efeito duradouro no campo da justiça para danos ambientais em guerras", dizem.

Na avaliação do grupo, ainda que existam alguns precedentes de processos judiciais bem-sucedidos contra crimes ambientais em contextos de conflito, a experiência internacional continua subdesenvolvida. "O compromisso da Ucrânia em obter a responsabilização pela destruição ambiental da Rússia está, portanto, fortalecendo a lei e a prática em nível nacional e internacional", destacam.

Minas terrestres

Izabela Teixeira e o grupo ainda apontam que existe a suspeita de que "grande parte da Ucrânia esteja contaminada com minas terrestres e munições não detonadas".

"Isso levará muitas décadas para ser eliminado, um processo que pode ser retardado devido a fatores de acessibilidade, financeiros e de segurança", alertou.

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"Nos próximos anos, essa deve ser uma alta prioridade para a Ucrânia", defendem os especialistas.

"É importante que a remoção de minas seja feita de forma a não causar maiores danos ambientais. A desminagem mecânica e a remoção da camada superficial do solo, por exemplo, podem remover as minas mais rapidamente, mas podem resultar em danos significativos e irreparáveis", alertam.

"Em áreas agrícolas, o risco de crateras e poluentes liberados pela detonação de minas no local deve ser analisado com atenção. A integração de considerações ambientais em todas as atividades de remoção de minas é fundamental, como foi destacado pelo Presidente da Reunião de 2023 dos Estados Partes da Convenção para a Proibição de Minas Antipessoal", completam.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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