Jamil Chade

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Brasil denuncia Israel em Haia e diz que ocupação é 'inaceitável e ilegal'

O governo brasileiro denunciou Israel pela invasão de territórios palestinos, durante audiência na Corte Internacional de Justiça, em Haia. Para o Itamaraty, os palestinos são discriminados, têm suas liberdades individuais violadas e até a composição demográfica abalada.

O Brasil se pronunciou durante as audiências realizadas pela Corte, nesta terça-feira (20). Os juízes internacionais foram chamados a se pronunciar sobre a situação palestina em todos os territórios ocupados. Antes, porém, o tribunal permitiu que governos interessados se expressassem, defendendo os palestinos ou os israelenses. No total, 54 deles se inscreveram para se pronunciar durante a audiência.

A persistente ocupação de israelenses, desde 1967, em violação ao direito internacional e a diversas resoluções da ONU, não pode ser aceita ou normalizada pela comunidade internacional. Israel deve colocar um fim à ocupação da Palestina
Governo Lula, na Corte de Haia

O governo chamou os atos israelenses de "ilegais" e equivalentes a uma "anexação". A delegação do Itamaraty ainda pede reparações aos palestinos e que Israel não repita as violações que comete. Segundo o governo, Israel tem a "obrigação" de fazer isso, diante do direito internacional.

Representante do Itamaraty durante audiência na Corte Internacional de Justiça, em Haia
Representante do Itamaraty durante audiência na Corte Internacional de Justiça, em Haia Imagem: Reprodução / UN Web TV

O Brasil também alerta que países estrangeiros não devem reconhecer a ocupação e nem tomar medidas que impliquem em uma aceitação tácita. "A ilegalidade cria uma obrigação a todos os Estados", disse.

O governo aponta que nenhum país deve colaborar com as ações de Israel relacionadas à ocupação ilegal de terras palestinas. Mas também defende que, pela cooperação, governos atuem por meios legais para colocar um fim à ocupação. "O Brasil está comprometido em cumprir essas obrigações", disse.

Para o Itamaraty, é necessário que Haia se pronuncie para que "todos saibam" as implicações das consequências legais dos atos de Israel. O governo também apontou como a gravidade dos atos é "indiscutível", mesmo antes dos ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023.

Ainda que o tema não se limite ao caso de Gaza, o Itamaraty deixou claro que não poderia deixar de tocar no cenário atual e que os ataques israelenses são "desproporcionais e indiscriminados".

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Autodeterminação e criação de um estado palestino

Para o Itamaraty, "a ocupação viola o direito do povo palestino por autodeterminação". Em sua intervenção, o Brasil deixou claro que Israel vem ignorando as resoluções da ONU desde 1967 e pede que a ocupação seja encerrada.

O governo estima, portanto, que os últimos acontecimentos revelam que apenas haverá paz e segurança para palestinos e israelenses quando houver a criação de um sistema pelo qual dois Estados possam viver lado a lado, e que o Estado palestino seja viável economicamente.

O Brasil, portanto, defende a criação de um Estado palestino "independente, soberano e economicamente viável, coexistindo com Israel, com fronteiras internacionalmente reconhecidas". Isso inclui Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental como sua capital.

Mas, hoje, o que existe é um movimento contrário e com uma ocupação que é "agravada" pelo muro, pela expansão de colonos e a anexação de Jerusalém Oriental.

Outro alerta do Brasil se refere ao fato de que Israel realiza uma prolongada ocupação e adota medidas até mesmo para mudar composição demográfica das áreas onde os palestinos eram maioria. Isso também é uma violação do direito internacional, diz a delegação brasileira.

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Segundo o Brasil, o que existe de fato é uma anexação de territórios, com discriminação dos palestinos. Por isso, o governo considera que um pronunciamento por parte da corte neste momento é "adequado". Uma opinião legal de Haia pode ajudar a dar uma solução para o conflito.

A avaliação do Itamaraty é que tal análise do tribunal é importante não apenas para Israel, mas para que todos os governos saibam quais são as implicações das violações.

Dois sistemas legais

Em sua intervenção, o Brasil ainda acusou Israel de criar dois sistemas legais. Um deles válido para os colonos israelenses que ocupam terras palestinas. E outro imposto sob uma ordem militar aos palestinos. Isso constituiria uma "prática de discriminação contra os palestinos e impede o exercício de direitos humanos e liberdades humanas".

O governo ainda pede que a Corte em Haia diga que a ocupação é "ilegal e que viola obrigações internacionais", com o "confisco de terras, destruição de propriedades, a construção de assentamentos e do muro em terras palestinas".

A participação do Brasil ocorre num momento de uma crise diplomática profunda entre o governo de Israel e a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva.

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A Corte máxima da ONU foi acionada a se pronunciar sobre a situação palestina por um pedido da Assembleia Geral da ONU. Em dezembro de 2022, os governos aprovaram uma resolução apelando para que Haia apresente sua opinião sobre as consequências legais da ocupação dos territórios palestinos por Israel.

Além da própria situação em Gaza, será tratada a ocupação de regiões da Cisjordânia e de Jerusalém Ocidental.

Naquele momento, EUA, Israel e outros 24 países votaram contra a resolução. No apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil optou por uma abstenção no voto da ONU, ao lado de outros 52 países. Mas, em 2023 e já sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil mudou de postura e tomou a decisão política de que iria apresentar sua própria avaliação à Corte. Ao longo da semana, cerca de 50 países farão o mesmo, no que promete ser a maior sessão do órgão judicial da ONU desde sua criação, em 1945.

No caso brasileiro, uma delegação de diplomatas foi deslocada para Haia. O processo do qual o Brasil participa, porém, não é o mesmo que a África do Sul iniciou contra Israel por seus ataques contra Gaza. Não se trata tampouco dos pedidos para o Tribunal Penal Internacional investigue crimes de genocídio por parte de Israel.

Crise se aprofunda

Diplomatas brasileiros apontam que os argumentos do Itamaraty já estavam prontos antes da eclosão da crise entre Lula e Netanyahu. O brasileiro comparou o que ocorre em Gaza com os atos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Como resposta, Israel declarou Lula "persona non grata", e o Brasil retirou seu embaixador de Tel Aviv.

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Na primeira sessão da Corte, nesta segunda-feira, coube ao chanceler palestino, Riyad al-Malik, usar a audiência para exigir o fim imediato da ocupação dos territórios por Israel.

"A única solução consistente com o direito internacional é o fim imediato, incondicional e total desta ocupação ilegal", afirmou.

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