Trump redefine alma dos EUA ao acabar com nacionalidade para crianças
Na ofensiva contra a imigração, uma das decisões tomadas pelo novo presidente Donald Trump é a de acabar com a concessão da nacionalidade para crianças que nascem de pais imigrantes sem documentos. O decreto de Trump será questionado na Justiça, no que promete ser uma longa batalha jurídica.
Mas é o espírito da proposta que desmonta a ideia - e a alma de um país. A atual lei que permite que qualquer pessoa que nasce nos EUA seja americano tem quase 150 anos e faz parte da Constituição dos EUA. Na 14ª Emenda, consta que:
"Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que residem."
Há quatro décadas, o republicano Ronald Reagan alertou que se um dia o país fechasse suas portas para "novos americanos", seria a liderança dos EUA no mundo que seria perdida.
Em 2022, 1,3 milhão de adultos tinham a nacionalidade americana, ainda que tivessem nascido de pais imigrantes em condição irregular. Existem cerca de 4,4 milhões de crianças nos EUA que têm um de seus pais sem documentos.
Mas é a próxima geração que pode ser profundamente afetada. Até 2050, 4,7 milhões de crianças teriam um ou ambos os pais em condição irregular.
A decisão de Trump, portanto, muda de forma profunda quem tem o direito de ser americano. Ao perpetuar a ilegalidade, o risco é de que essas famílias não consigam sair do ciclo da pobreza ou da extrema vulnerabilidade. Que tenham dificuldades de encontrar escolas ou hospitais.
Em seu best-seller Nossa Alma Migrante, Hector Tobar conta como a economia americana é dependente do trabalho daqueles que não existem. Em um relato poderoso, ele mostra como o "império" é moldado pela exploração. São chamados de "latinos" nas ruas, mas jamais se definiriam dessa forma em seus círculos mais íntimos.
Basta sair às ruas das grandes cidades para descobrir que muitos daqueles denunciados por serem "de fora" têm no inglês sua língua materna. Buscam caminhos para tentar viver em paz dentro de suas peles, na condição perpétua de estrangeiros em seus países.
Ao transformar quem tem o direito de ser americano, Trump não toma apenas uma decisão sobre imigração. Mas sobre quem são os EUA. Talvez uma das leis mais reveladoras desse início de seu governo. Um espelho do que é capaz de fazer a retórica do nacionalismo.
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