Jamil Chade

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Reportagem

Denúncia de 'racismo' e 'colonialismo' agita polêmica judicial em Portugal

Um dos maiores processos político-financeiros nos últimos anos em Portugal é agora alvo de uma denúncia na Corte Europeia de Direitos Humanos, com o principal acusado alegando racismo e "colonialismo" por parte da Justiça portuguesa.

Conduzida por dois advogados brasileiros e integrada por ex-juízes do tribunal europeu, a queixa se refere ao polêmico luso-angolano Álvaro Sobrinho e se arrasta por mais de 13 anos nas cortes portuguesas.

Conhecido no meio jurídico português como o "Processo do Preto", o caso envolve o empresário com investimentos em empresas como a YooMee Africa e Hotspur Geothermal no Reino Unido, um Banco de Investimento nas Ilhas Maurício, investimentos imobiliários na Alemanha e na Suíça, além de projetos nas áreas hoteleira e financeira em Angola.

Em 2013, Sobrinho passou a ser o maior acionista individual do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, clube de Lisboa.

Junto com sua expansão, porém, vieram os processos. Desde 2010, ele é acusado de abuso de confiança, burla, branqueamento de capitais e associação criminosa.

Sobrinho foi o presidente executivo do Banco Espírito Santo Angola (Besa), e acusado de ser o responsável por desvios de fundos ocorridos durante sua gestão. A denúncia é que sua administração precipitou a queda do Banco Espírito Santo, em Portugal, um dos maiores do país e que chacoalhou com o sistema financeiro.

O caso ainda implicou a Suíça, já que o empresário foi acusado de ter usado o sistema financeiro local para transferir os fundos. A denúncia era que, às vésperas da queda da instituição, ele transferiu para os cofres suíços cerca de US$ 400 milhões. Os procuradores em Berna congelaram as suas contas bancárias e os seus imóveis.

O vazamento de documentos do Suisse Secrets revelou ainda que Sobrinho abriu 12 contas no banco Credit Suisse, sendo que a maior delas tinha 78 milhões de francos suíços.

O ex-banqueiro foi investigado e, em 2021, o Ministério Público da Confederação arquivou o caso.

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Em Portugal, porém, novas medidas foram adotadas contra ele a partir de 2022, no mesmo processo com 24 volumes e uma acusação de mais de 800 páginas, com a afirmação do juiz Carlos Alexandre de que se tratava de um "ato de fé".

Racismo, colonialismo e prepotência, diz defesa

Para a defesa, trata-se de uma iniciativa "que viola gravemente os direitos garantidos pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, nele figurando discriminação pelo racismo, colonialismo e prepotência, que transcende o caso concreto".

A petição da defesa, assinada pelos advogados brasileiros Rafael Valim e Walfrido Warde e pelo ex-juiz da Corte Europeia e do Tribunal Supremo da Espanha, Javier Borrego, ainda cita um "problema sistêmico" no judiciário português.

Outro ex-juiz da Corte Europeia, Paulo Pinto de Albuquerque, assina um parecer de 154 páginas que acompanha a queixa, no qual afirma que "Consciência da Europa e arauto da fairness no processo penal, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos pode e deve censurar o custo desumano que este processo já implicou para o arguido Álvaro Sobrinho, violando gritantemente os seus direitos humanos processuais".

O processo contra o angolano foi iniciado em 2010 pelo procurador português Orlando Figueira, que anos depois, seria condenado a seis anos de prisão por corrupção.

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O caso ainda tem o papel central do juiz Carlos Alexandre que, nos últimos anos, se transformou numa personalidade midiática e frequentemente associada ao ex-juiz brasileiro Sergio Moro, hoje senador.

Em 2022, depois de 11 anos de tramitação do processo, o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, determinou o pagamento de uma caução de 6 milhões de euros, o maior valor já aplicado em Portugal. Também exigiu que Sobrinho se apresente a cada seis meses diante das autoridades portuguesas, proibiu de a saída do Espaço Schengen e determinou entrega de todos seus passaportes.

O argumento da Justiça é que se trata de uma ação para impedir sua fuga. A defesa do angolano, porém, afirma que ele jamais faltou a uma convocação do MP ou de qualquer outro órgão.

Nos documentos entregues à Corte Europeia e obtidos com exclusividade pelo UOL, a defesa de Sobrinho acusa os portugueses de "racismo". A reportagem tentou entrar em contato com o tribunal português, mas não obteve resposta. O Conselho Superior da Magistratura de Portugal tampouco respondeu ao pedido de comentário.

Sobrinho teria sido o único a sofrer medidas de coação, ainda que os demais acusados no mesmo processo tenham sido denunciados por crimes de maior gravidade. Segundo a defesa de Sobrinho, todos os demais são brancos. Os advogados lembram ainda que seu pai era o líder nacionalista de Angola, Carlos de Oliveira Madaleno.

A defesa questiona também a decisão de Portugal de confiscar o passaporte angolano do suspeito, alegando até mesmo "pirataria". Para eles, o passaporte é um documento do Estado que o emite. Portanto, não estaria prevista na norma portuguesa o confisco de um passaporte de um país estrangeiro.

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Para seus advogados, a dimensão "racista" é evidente. Caso ainda ocorre em meio a um debate sobre os 50 anos das independências das colônias portuguesas e de intensas acusações contra movimentos políticos de estarem instrumentalizando a xenofobia.

Por esse motivo, segundo a defesa, Sobrinho decidiu acionar a Corte Europeia, perante a qual os advogados alegam "negação absoluta do direito a um processo equitativo; arbitrariedade e desproporcionalidade das medidas de coação; constante violação da presunção de inocência que pressupõe a presunção de culpa; duração injustificadamente excessiva do mesmo e conduta prepotente de racismo, neocolonialismo e discriminação".

A defesa também destaca que, ao longo do processo, Sobrinho foi acusado de "burla, fraude fiscal, branqueamento de capitais, associação criminosa e agora de abuso de confiança".

"Todas as acusações têm sido sucessivamente revertidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa", completou.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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