Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Brasil e África do Sul viram página de era bolsonarista e retomam parceria

Depois de sete anos de uma interrupção, as principais economias da América Latina e da África relançam sua parceria estratégica. Nesta terça-feira (23), em Brasília, diplomatas brasileiros e sul-africanos se reúnem para retomar a cooperação e projetos em dezenas de áreas.

Em rascunhos dos documentos que circulam entre as delegações — aos quais a coluna teve acesso —, os dois governos fecham um entendimento sobre a necessidade de aproximar posições em setores considerados estratégicos e implementar medidas concretas para ampliar a relação bilateral.

A retomada ocorre depois que, no governo de Jair Bolsonaro, a nomeação de Marcelo Crivella como embaixador do Brasil na África do Sul abriu uma crise bilateral. Os sul-africanos nunca responderam ao pedido de Bolsonaro e, por anos, o país ficou sem embaixador no país mais influente da África.

Para abrir espaço para Crivella e atender ao lobby evangélico, o ex-presidente retirou de Pretória um dos principais embaixadores do Itamaraty, Sergio Danese.

No governo Lula, foi nomeado para o cargo em julho do ano passado Benedito Fonseca Filho, um dos poucos embaixadores afrodescendentes no Itamaraty. Junto com a solução à questão diplomática, começaram os trabalhos para recuperar o tempo perdido. Voos entre São Paulo, Cidade do Cabo e Joanesburgo voltaram a ocorrer e o comércio chegou a US$ 2,2 bilhões.

A meta agora é ampliar essa relação e, não por acaso, os encontros nesta semana contam com o chanceler Mauro Vieira e a ministra sul-africana de Relações Exteriores, Grace Pandor. Ela também será recebida em audiência pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Compromissos para transição energética

No setor de energia, por exemplo, o documento sob consideração nesta terça cita "a importância da cooperação em face dos desafios comuns na transição energética e na segurança energética". "A falta de uma estrutura formal para a cooperação bilateral no setor de energia foi mencionada, e a negociação de um instrumento nesse sentido foi sugerida", destaca o informe, realizado a partir dos encontros preparatórios.

No campo dos biocombustíveis, o Brasil "se mostrou aberto a compartilhar sua experiência e se ofereceu para receber uma delegação sul-africana para uma missão de investigação, bem como para organizar o evento Ethanol Talks na África do Sul".

Continua após a publicidade

Com relação a petróleo e gás, foram abordadas as estratégias de ambos os países, com ênfase na importância de garantir a segurança energética e, ao mesmo tempo, avançar na transição para formas mais sustentáveis de energia.

O Brasil destacou sua posição de grande produtor de petróleo e manifestou interesse em colaborar com a África do Sul no setor. As oportunidades de investimento em gás natural também foram discutidas, bem como a importância de infraestrutura e regulamentação adequadas.
documento que circula entre os diplomatas

Recursos para projetos ambientais

No dossiê sobre meio ambiente, os dois países destacam "a necessidade de defender, promover e fortalecer a resposta multilateral às mudanças climáticas". Isso inclui garantir recursos por parte dos países ricos e a transferência de tecnologia.

"Ambos os países destacaram a preocupação com a atual governança do Fundo Global para o Meio Ambiente [GEF], especialmente a distribuição desigual de assentos no Conselho do GEF, que não dá voz adequada aos países em desenvolvimento", aponta o documento.

"A necessidade de reforma dessa governança foi discutida, bem como a importância de garantir o financiamento adequado para projetos ambientais nos países em desenvolvimento", indicou o informe, que tratou dos debates ocorridos nos diferentes grupos de trabalho.

Continua após a publicidade

Os trabalhos ainda apontaram para os avanços na cooperação em biodiversidade e conservação entre o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade do Brasil e os Parques Nacionais da África do Sul. A ideia é de que um acordo seja assinado.

Aumento das exportações e novos setores

O setor de comércio é outra prioridade. Os dois governos concordaram em trabalhar para aumentar e diversificar os fluxos de exportações. Mas um dos obstáculos é a existência de medidas protecionistas de ambos os lados contra frango, equipamentos de transporte e minérios.

Nos documentos, Brasil e África do Sul deixaram claro que querem ainda um acordo sobre transporte, que incluiria avião civil e transporte terrestre. Há ainda uma intenção de fechar um entendimento sobre transporte marítimo.

"Esse acordo garantirá que a logística de apoio à facilitação do comércio e ao turismo marítimo permaneça eficiente e adequada às necessidades dos dois países. O acordo abrangerá ainda questões como economia dos oceanos, descarbonização marítima, digitalização, supervisão portuária, desenvolvimento de habilidades e capacitação, entre outras", diz.

Há ainda um interesse em expandir a cooperação entre a Agência Espacial Nacional da África do Sul (Sansa) e a Agência Espacial Brasileira (AEB), que continuam a colaborar no desenvolvimento de satélites e programas de observação da Terra.

Continua após a publicidade

Revisão de certificados sanitários

No setor de alimentação, os documentos revelam que existem 17 certificados sanitários em discussão, em mercados importantes como materiais genéticos bovinos, materiais genéticos de aves, carne e produtos de aves, laticínios, produtos de carne cozida, limas frescas, cavalos vivos e mamões. O Brasil enfatizou sua disposição de facilitar o acesso ao mercado brasileiro de produtos sul-africanos, como frutas (cítricas, abacate, cereja, pêssego, damasco) e gordura de avestruz.

O projeto ainda prevê um acordo para uma "maior cooperação agrícola entre os dois países". "Ambos os lados concordaram em se esforçar para assinar o memorando à margem da Reunião de Ministros da Agricultura do G20, programada para ocorrer em setembro de 2024, em Cuiabá, ou em uma ocasião anterior adequada", destacou o documento.

A aproximação prevê ainda a assinatura de um acordo sobre assistência jurídica mútua em matéria penal. Isso abre a possibilidade para negociações do projeto de um tratado sobre extradição.

Defesa e saúde

No setor de defesa, um encontro está previsto para ocorrer em 2025 no Brasil e os dois governos buscam "identificar futuras oportunidades de colaboração, bem como promover o relacionamento atualmente estruturado entre empresas brasileiras e sul-africanas do setor".

Continua após a publicidade

Ambos os lados reiteraram seu compromisso com a revitalização e o fortalecimento da cooperação em segurança marítima no Atlântico Sul e na exploração conjunta do fundo do mar na região, além de uma atualização do Acordo-Quadro sobre Cooperação em Matéria de Defesa e a assinatura do Acordo sobre Mísseis.

Para completar, no setor da saúde, os dois governos buscam ampliar a cooperação para inovação e desenvolvimento de vacinas e vigilância genômica, além de outros temas.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes