Jamil Chade

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Lula buscou diálogo com linha dura iraniano e mudou voto na ONU

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tentou estabelecer um canal de diálogo com o ex-presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morto neste fim de semana e considerado como linha dura. Ele ainda enfrentou um dos maiores protestos contra o regime, liderado por mulheres. Os atos foram respondidos com repressão.

A postura brasileira levou o Itamaraty a mudar seu voto em resoluções internacionais, com a convicção de que o isolamento proposto pelas potências Ocidentais apenas ampliaria o radicalismo em Teerã e conduziria o país a acelerar seu processo para o desenvolvimento de uma arma nuclear.

No início de abril, por exemplo, o Brasil se absteve na votação de uma resolução na ONU que estendia o mandato da entidade para investigar violações de direitos humanos no Irã — em especial durante os protestos das mulheres a partir de 2022.

A iniciativa, porém, foi aprovada por no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Foram 24 votos de apoio, 15 abstenções e oito contra.

Raisi era visto como o instrumento da cúpula religiosa iraniana para colocar como prioridade uma aproximação às potências emergentes, incluindo China, Rússia e Brasil. O ex-presidente também costurou uma normalização com os sauditas.

Ele também foi central no fortalecimento do que é chamado de "Eixo de Resistência", o apoio de Teerã a grupos como Hamas, Hezbollah, um segmento dentro do Iraque e o governo de Bachar Al Assad na Síria.

Raisi era considerado como um dos homens mais leais ao Líder Supremo iraniano e maior autoridade no país, Ali Khamenei, e seu possível sucessor por sua postura ultraconservadora.

Nas áreas rurais, sua popularidade era sólida, principalmente depois que ele dobrou os subsídios às camadas mais pobres. Mas a notícia de sua morte também gerou comemorações nas redes sociais por parte de uma sociedade profundamente dividida.

Comissão da Morte

Segundo uma investigação conduzida pela Anistia Internacional, Ebrahim Raisi, que foi procurador-geral adjunto de Teerã em 1988, teria feito parte da "comissão da morte", uma espécie de grupo encarregado de executar milhares de prisioneiros políticos naquele ano. A entidade qualificou a repressão como crimes contra a humanidade.

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Em seu ultimo informe, a presidente da Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre o Irã, Sara Hossain, concluiu que a "violenta repressão do Irã aos protestos pacíficos" do movimento Mulher-Vida-Liberdade desde setembro de 2022 levou a "graves violações dos direitos humanos [...] muitas delas equivalentes a crimes contra a humanidade".

O mandato da equipe de três mulheres, estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em novembro de 2022, expirava e as peritas consideravam que precisam continuar a apurar a situação iraniana.

Ao explicar sua posição, o governo brasileiro afirmou que estava preocupado com a situação de direitos humanos no Irã, mas apostava na cooperação de Teerã.

De acordo com o embaixador do Brasil na ONU, Tovar Nunes da Silva, o governo "reconhece o engajamento" do Irã com os organismos internacionais e "incentiva" Teerã a cooperar.

Apesar de citar "progressos" em algumas áreas, o Itamaraty afirmou que continuava "profundamente preocupado" com a aplicação da pena de morte, inclusive contra crianças. O Brasil também pedia mais medidas para garantir a liberdade de expressão e pede fim de algumas das leis que discriminam mulheres.

O governo deixou claro que era "perturbador" os atos contra mulheres e minorias. Mas explicou que iria se abster na resolução "por entender que o Irã vai colaborar".

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Na América Latina, os governos da Costa Rica, Argentina e outros apoiaram a resolução. O governo do Chile, liderado pelo progressista Gabriel Boric, saiu em apoio da resolução e denunciou as violações de direitos humanos no Irã.

No ano passado, o convite do Brics para a adesão do Irã gerou críticas por parte de entidades de direitos humanos.

O presidente Lula, porém, defendeu a entrada do governo de Teerã no bloco. "O Irã é extremamente importante. Eu fico muito feliz quando vejo que o Irã está conversando com o mundo árabe, se colocando de acordo com a Arábia Saudita. Isso é uma mudança de comportamento", disse.

Para ele, além de Rússia e China, o Irã "não pode estar fora de qualquer grupamento político que se queira fazer".

Ainda em meados de 2023, Lula se reuniu com Raisi. Oficialmente, a agenda foi dominada pela aproximação comercial entre os dois países.

Em março, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a ativista iraniana Shirin Ebadi — primeira mulher a se tornar juíza em Teerã —, considerou Lula como desinformado sobre a situação em seu país. "Se ele é de esquerda e defensor da classe operária, deveria saber que o regime iraniano é inimigo da classe operária", disse

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