Jamil Chade

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ONU cria data em memória do genocídio na Bósnia; Brasil se abstém

Num voto realizado nesta quinta-feira (23), a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a proposta para estabelecer o dia 11 de julho como a data internacional de memória do genocídio de Srebrenica.

O massacre de cerca de 8.000 homens e meninos muçulmanos bósnios em 1995, na cidade de Srebrenica por forças sérvias da Bósnia, gerou um constrangimento profundo num continente que havia se comprometido a não reviver os traumas da Segunda Guerra Mundial.

Apoiada por EUA, Alemanha e Ruanda, a proposta foi aprovada por uma maioria simples de 84 votos. A resolução "decide designar o dia 11 de julho como o Dia Internacional de Reflexão e Comemoração do Genocídio de 1995 em Srebrenica, a ser observado anualmente".

A resolução condena a negação do massacre e a glorificação dos criminosos de guerra. Ela ainda pede que as vítimas restantes sejam encontradas e que todos os autores dos crimes que ainda estão soltos sejam levados à justiça.

Ela também pede que os governos usem seus sistemas educacionais para evitar a negação ou a distorção do que ocorreu em 1995, quando as tropas do general Ratko Mladic separaram homens e meninos das mulheres e os massacraram nos dias seguintes.

Dois tribunais internacionais decidiram que a atrocidade constituiu genocídio. Mladic e seu chefe político, Radovan Karadzic, foram condenados à prisão perpétua por crimes de guerra, incluindo genocídio.

"Nossa iniciativa visa honrar a memória das vítimas e apoiar os sobreviventes que continuam a viver com as cicatrizes daquele momento fatídico", disse Antje Leendertse, representante permanente da Alemanha na ONU.

O processo, porém, abriu velhas feridas. A Sérvia nega que o massacre tenha sido um genocídio e acusa o texto de classificar o país como uma nação genocida.

Brasil reconhece genocídio, mas alerta para impacto da resolução

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Apesar de aprovada, a resolução teve 68 abstenções. Um deles foi o Brasil, que pediu a palavra para explicar que sua postura não tem relação com uma atitude revisionista da história.

"A votação não implica ou levanta qualquer dúvida sobre a natureza do massacre de civis bósnios em Srebrenica em julho de 1995", afirmou o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese.

"Em 2004, o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia definiu o massacre como genocídio. Em 2007, a CIJ também reconheceu o massacre como genocídio", disse.

"Muito menos nossa posição na votação de hoje significa a menor variação na condenação firme e clara do Brasil ao genocídio em Srebrenica", insistiu. "Aqui e agora, reiteramos essa condenação nos termos mais fortes", declarou.

Ele, porém, explicou que a abstenção foi "baseada em uma avaliação das circunstâncias que envolveram a apresentação, as consultas e a resposta ao projeto de resolução".

"Estávamos e continuamos preocupados com a profunda divisão que ela causou na ONU e na região, especialmente na Bósnia-Herzegovina", disse o diplomata.

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Segundo ele, "resoluções desse tipo devem reunir a comunidade internacional para ajudar as partes envolvidas em conflitos passados a celebrar a memória das vítimas, fortalecer a causa da justiça e construir uma paz duradoura".

"Em outras palavras, essas resoluções têm o objetivo de ajudar a curar feridas e auxiliar antigos inimigos a seguir em frente", disse.

Mas, na avaliação do Itamaraty, não foi isso que ocorreu. "Infelizmente, as circunstâncias em torno da minuta que nos foi apresentada hoje fizeram exatamente o oposto", disse. "Sentimos que não poderíamos fazer parte disso", afirmou.

"Lamentamos profundamente o fato", disse Danese. "Esperamos que todas as partes envolvidas, reconhecendo plenamente os horrores do passado, redobrem seus esforços para construir um futuro de paz", completou.

Voto contra de Rússia, Sérvia, Hungria e China

A iniciativa sobre o genocídio, porém, gerou a resistência dos sérvios e seus aliados. No total, 19 países de diferentes ideologias votaram contra, entre eles a Rússia, China, Hungria, Nicarágua e Coreia do Norte.

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O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, acusou a proposta de ser "altamente politizada" e de não contribuir para a reconciliação na Bósnia e na região. "As divisões se tornarão cada vez mais profundas e a resolução causará instabilidade na região", alertou.

Antes da votação, o líder nacionalista sérvio da Bósnia, Milorad Dodik, ameaçou promover uma ruptura e deixar a federação criada depois das guerras dos anos 90.

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