ONU critica PL antiaborto no Brasil e recomenda descriminalização
O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos criticou nesta sexta-feira o Projeto de Lei 1904, que equipara a punição de abortos realizados após as 22 semanas de gestação em casos de estupro a pena por homicídio. Gestantes e médicos seriam punidos, com penas eventualmente superiores ao estuprador.
A Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, a urgência do projeto de lei. Com isso, a proposta pode ser analisada no plenário a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas.
O autor da proposta, o deputado Sóstenes Cavalcante (PI-RJ), tem como objetivo alterar o Código Penal, que afirma desde 1940 que o aborto não é punido em casos de estupro e risco à vida da mãe.
Cavalcante é um aliado do pastor Silas Malafaia e o presidente da Câmara, Arthur Lira, tinha prometido colocar o tema em discussão no plenário em troca de apoio da bancada evangélica à sua reeleição na presidência da Casa em 2023
Em uma declaração em Genebra, a porta-voz de direitos humanos da ONU, Liz Throssell afirmou que a entidade está "preocupada com a aprovação do procedimento de emergência para essa lei, que equipara o aborto com mais de 22 semanas a um homicídio".
"Estamos preocupados com o fato de que esse procedimento impede um debate sobre o projeto de lei nas comissões parlamentares, e isso é um passo necessário para entender as implicações dessa lei e se cumpre os padrões internacionais de direitos humanos", disse.
A porta-voz lembrou que, no mês passado, Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) "deu uma recomendação para descriminalizar aborto em todos os casos e para que mulheres e meninas tenham acesso ao aborto seguro".
Alertando sobre o avanço do que chamou de "fundamentalismo religioso" no Brasil, o Comitê submeteu ao governo federal as seguintes recomendações:
- Legalize o aborto e descriminalize-o em todos os casos e garanta que mulheres e meninas tenham acesso adequado a serviços de aborto seguro e pós-aborto para assegurar a plena realização de seus direitos, sua igualdade e sua autonomia econômica e corporal para fazer escolhas livres sobre seus direitos reprodutivos;
- Reforce as medidas para combater a taxa alarmante de mortalidade materna, inclusive melhorando o acesso a cuidados pré-natais e pós-natais e a serviços obstétricos de emergência prestados por parteiras qualificadas em todo o território do Estado Parte, e abordar suas causas fundamentais, como complicações obstétricas, gravidez precoce e abortos inseguros;
"Acesso ao aborto legal e seguro está solidamente enraizado nas leis internacionais de direitos humanos", disse a porta-voz, nesta sexta-feira.
"É absolutamente essencial para a autonomia das mulheres e meninas e sua habilidade de tomar suas decisões sobre seus corpos e vidas, livre de discriminação, violência ou coerção", completou.
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