Jamil Chade

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Maduro usa aplicativo de celular como arma de repressão

Ativistas de direitos humanos denunciam o governo de Nicolás Maduro pelo uso de um aplicativo de celular como instrumento de repressão.

De acordo com a entidade Anistia Internacional, Maduro incentivou os venezuelanos a denunciar por meio do VenApp, um aplicativo do governo, os manifestantes que questionassem sua reeleição.

"De acordo com grupos de direitos humanos, milhares de pessoas foram presas desde então e mais de uma dúzia foi morta em uma repressão pós-eleitoral contra a oposição", disse a entidade, reconhecida por sua atuação pelos direitos humanos inclusive contra o regime militar no Brasil (1964-1985). Na ONU, as investigações preliminares apontam para mais de 2.000 presos desde 28 de julho, dia da eleição.

O VenApp foi lançado por Maduro em 2022. "Era aparentemente para receber reclamações públicas sobre questões como falta de energia e emergências médicas", disse a Anistia. Mas, desde a eleição, novas funções foram adicionadas para permitir a denúncia contra qualquer pessoa, sem provas.

Como funciona

Nos principais sites chavistas, há até mesmo uma explicação de cada passo que a pessoa deve fazer para conseguir usar o aplicativo para denunciar "grupos criminosos e criminosos que tentam perturbar a paz no país".

Num dos serviços oferecidos pelo aplicativo, há a opção: Denúncia. Nela, a pessoa que deseja comunicar uma atividade de um vizinho, manifestante ou qualquer opositor deve selecionar: "Guarimba fascista".

Existem ainda dez subcategorias, incluindo saques, danos ao patrimônio público, perturbação da ordem pública, ataques a pessoas, desinformação, roubo, fechamento de vias públicas e ameaças.

Maduro garantiu que quem fizer a denúncia terá "toda a privacidade e confidencialidade". "Vocês podem fazer suas denúncias chegarem ao posto de comando presidencial, e medidas imediatas serão tomadas", insistiu.

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Para a Anistia Internacional, o VenApp "parece ter sido reaproveitado com funcionalidades adicionais após o anúncio da reeleição, permitindo que os usuários fizessem denúncias contra manifestantes".

Desde então, o aplicativo foi removido do Google Play e da App Store após queixas, mas continua ativo para aqueles que já fizeram o download do aplicativo em seus telefones.

Matt Mahmoudi, chefe da Iniciativa do Vale do Silício da Anistia Internacional, alertou para o papel de cumplicidade das empresas de tecnologia.

"O fato de que os desenvolvedores de tecnologia revisaram o aplicativo para adicionar essa nova função e as plataformas de tecnologia, em seguida, colocaram-no em fontes amplamente disponíveis levanta a questão: essas empresas estão cumprindo suas responsabilidades de direitos humanos?", questionou.

"Se estivessem, teriam avaliado o risco de esse aplicativo ser usado pelo governo venezuelano não apenas para limitar o direito das pessoas à liberdade de expressão e de reunião pacífica, mas também para contribuir potencialmente para prisões ilegais, detenções e outros abusos graves de direitos humanos", alertou.

Segundo ele, ao incentivar a denúncia de manifestantes e fornecer uma plataforma na qual isso pode ser feito em grande escala, o governo venezuelano corre o risco de violar a lei internacional de direitos humanos.

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Mahmoudi ainda destacou como a Anistia documentou de que maneira, com muita frequência, as empresas de tecnologia se envolvem em práticas que criam impactos adversos sobre os direitos humanos sem uma avaliação adequada desses riscos. "Essas empresas têm a responsabilidade de ser diligentes e abordar adequadamente quaisquer riscos em potencial, o que deveria ter ficado bastante claro nesse caso, dado o longo histórico do governo venezuelano de reprimir qualquer forma de dissidência", afirmou.

Na semana passada, mais de 100 organizações da sociedade civil, acadêmicos e ativistas emitiram uma carta em resposta ao uso da tecnologia para a repressão política na Venezuela, exigindo o fim imediato da vigilância e da censura, da repressão digital e das violações dos direitos humanos.

A carta é assinada por entidades como Conexión Segura y Libre, Redes Ayuda, Robert F. Kennedy Human Rights, Fundación Karisma e Derechos Digitales.

Segundo o documento, a empresa chinesa de tecnologia ZTE exporta tecnologia de vigilância para a Venezuela desde 2016. Em 2021, Maduro admitiu possuir tecnologia de interceptação telefônica fabricada pela empresa israelense Cellebrite. "Ao longo dos anos, as autoridades têm expandido continuamente um extenso aparato de vigilância que agora está sendo usado para reprimir protestos pró-democracia e atingir as vozes da oposição", aponta a carta.

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