Divididos, americanos vão às urnas para decidir quem vive ou morre no mundo
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Nos corredores da ONU, um alto funcionário do governo americano caminhava em direção ao Conselho de Segurança quando me viu. Aproximou-se, perguntou como Nova York estava me tratando e foi logo ao que queria saber: como a eleição está sendo vista no resto do mundo?
Ao terminar a conversa, ele admitiu: "a realidade é que poucas decisões serão tomadas na diplomacia enquanto nossos parceiros não souberem quem é que manda na Casa Branca".
Ele tem razão. Nos últimos dias, governos de todo o mundo suspenderam decisões, adiaram anúncios e colocaram negociações em suspensão até que os americanos definam quem será o próximo governo da potência nuclear.
Os europeus, por exemplo, estudam o que fazer caso Donald Trump vença e opte por concretizar sua promessa de campanha de fechar o mercado americano. Uma nova guerra comercial, principalmente com o setor automotivo alemão, vem deixando Berlim e outras capitais apreensivas.
Na própria ONU, uma das preocupações se refere ao destino de programas de ajuda a mulheres e meninas. Uma vitória de Donald Trump significará a suspensão de milhões de dólares para programas de direitos reprodutivos e sexuais, principalmente nos países mais pobres.
A entidade americana MSI Reproductive Choices, que fornece serviços de contracepção e aborto seguro em todo o mundo, estimou que 8 milhões de mulheres perderam o acesso a serviços de saúde e direitos sexuais e reprodutivos durante o mandato de Trump a partir de 2016. Isso teria resultado em 6 milhões de gestações indesejadas e 1,8 milhão de abortos inseguros.
Agora, a preocupação é que, se Trump vencer, ele poderá expandir essa restrição do uso de recursos americanos para incluir toda a assistência ao desenvolvimento dos EUA e bloquear o financiamento de organizações multilaterais que trabalham na área, como o Fundo de População das Nações Unidas.
De uma forma mais geral, diplomatas também temem a suspensão de recursos americanos para dezenas de outros programas, inclusive para combater as mudanças climáticas. Depois de Trump cortar os pagamentos para a OMS (Organização Mundial da Saúde) e outras agências, o governo de Joe Biden retomou o fluxo de recursos. Assim, as contribuições dos EUA para o sistema da ONU aumentaram de US$ 11,6 bilhões em 2020 para US$ 18,1 bilhões em 2022.
Documentos da ala mais radical dos conservadores americanos apontam que a proposta é condicionar ajuda a uma mudança de alianças por parte daqueles que recebem o resgate. Ou seja: para sobreviver, terão de se alinhar aos interesses dos EUA.
O Brasil também aguarda para tomar decisões. O governo da China insiste em lançar negociações para que o país faça parte de seu projeto global de investimentos, a nova Rota da Seda. No Palácio do Planalto, porém, a ordem é esperar as urnas nos EUA para saber que destino dar às relações com o resto do mundo.
Dependem também dos americanos o destino da guerra na Ucrânia, o socorro humanitário no Sudão, a violência no Haiti e dezenas de crises pelo mundo.
Em Cuba, por exemplo, o apagão que a ilha enfrenta é, em parte, responsabilidade das sanções impostas pelos EUA. Mas retirar o embargo não é um tema apenas de política externa. O voto dos cubanos anticastristas na Flórida é fundamental e, portanto, deixar a ilha no escuro é apenas um "impacto colateral" da luta democrática pelo poder em Washington.
Nem todos optam por esperar. Em Israel, Benjamin Netanyahu, com medo de um eventual governo de Kamala Harris, acredita que a janela de oportunidade está se fechando e que continuar o massacre de palestinos pode ser mais difícil com a campanha encerrada. Por isso, ele não tem hesitado em ampliar as operações militares, enquanto sabe que seu maior aliado vive uma encruzilhada interna.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberO que está em jogo nas urnas nos EUA, portanto, não é apenas o destino de um país em crise existencial. Mas o que ocorrerá com milhões de pessoas em zonas de conflito, em áreas de crise humanitária, em zonas de desastres naturais e com mulheres e meninas em todo o mundo.
Nas urnas nos EUA está, portanto, o destino também de quem vive e quem morre no mundo.
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