Por quem os sinos dobram: a politização da nova Notre Dame
Não foi surpresa para ninguém quando, durante a reconstrução da Catedral de Notre Dame, um debate intenso foi travado: a nova obra deveria restabelecer o monumento de mais de 800 anos como estava ou deveria ser ele uma oportunidade para uma atualização ao século 21?
O debate ficou ainda mais dramático quando ficou constatado que, de fato, aquela catedral que foi tomada por um incêndio sequer era a original.
Numa operação que envolveu um verdadeiro exército multinacional, árvores centenárias das florestas francesas e mais de R$ 5 bilhões, a peça que faz parte do patrimônio da humanidade conseguiu superar todos os debates, dificuldades técnicas e, neste fim de semana, será reinaugurada.
E, junto com sua capacidade de resistir e ressurgir das cinzas, sua reabertura está sendo instrumentalizada politicamente. O altar, uma vez mais, transformado em palanque.
Emmanuel Macron, vivendo sua pior crise política e num país sem um governo, espera usar a ocasião como um exemplo de como um país pode se unir para ser reconstruído, apesar de todas as divisões.
Nos últimos dias, ele usou as imagens dos trabalhadores na catedral para tentar dar esse tom ao seu governo que vive um final melancólico.
O uso da catedral ainda tem como objetivo tentar acalmar uma parte dos católicos franceses, insatisfeitos depois que seu governo liderou a operação para inscrever o direito ao aborto na constituição. A extrema direita rapidamente instrumentalizou isso para se posicionar como os "verdadeiros" defendedores do legado cristão europeu.
Das cinzas políticas, Donald Trump é outro que está usando o evento para voltar ao palco internacional. E a ocasião não poderia ser mais propícia. O representante máximo da extrema direita prometeu recolocar os cristãos no centro da formulação de políticas públicas. Uma mensagem que ecoou como um sinal de esperança para nacionalistas cristãos e supremacistas em diversas partes do mundo de que havia chegado o momento de usar o poder político para impor uma visão de sociedade.
A catedral ainda está sendo instrumentalizada por Volodymyr Zelensky, numa tentativa desesperada para recuperar a ideia de que é em seu país hoje que o Ocidente luta por sua sobrevivência.
Quando ele for reaberto neste fim de semana, o eterno edifício em transição revelará, uma vez mais, seu poder na história do Ocidente.
Mas quando o maior sino da catedral soar, com suas 13 toneladas ecoando um fá sustenido, não é demais relembrar que Victor Hugo alertava que a "vasta sinfonia" que emanava do local ao longo da história também tinha um som de uma tempestade.
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