Jamil Chade

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Reportagem

Telegramas revelam interesse de Assad pelo Brasil e proposta ao Mercosul

A guerra civil na Síria, em 2011, interrompeu de forma brusca uma ofensiva diplomática entre o Brasil e o então presidente Bashar al-Assad para estreitar relações, numa estratégia que incluía até mesmo o estabelecimento de uma zona de livre comércio entre a Síria e o Mercosul.

Isso é o que revelam dezenas de emails enviados por autoridades sírias e brasileiras entre a capital do país no Oriente Médio, Brasília e São Paulo.

Os documentos fazem parte do 2 milhões de emails que o grupo WikiLeaks conseguiu reunir envolvendo a Síria e suas relações com dezenas de países pelo mundo. Os emails são enviados pelo gabinete de Assad, por diversos ministérios, embaixadas, consulados e pessoas ligadas ao governo.

Assad fugiu da Síria neste final de semana diante do avanço de rebeldes. Ele e sua família receberam asilo na Rússia, e a dinastia que havia começado com seu pai desmoronou. A queda de seu governo abriu temores de um terremoto político no Oriente Médio e alertas sobre um eventual avanço de Israel na região.

O UOL teve acesso aos emails que escancaram uma relação intensa entre Brasília e Damasco nos últimos meses de 2010, às vésperas do início de uma guerra que duraria mais de dez anos. Em fevereiro de 2011, começaria o confronto entre rebeldes e o governo de Assad que gerou mais de 5 milhões de refugiados e mais de 300 mil mortos.

Se nos primeiros meses do conflito o governo de Dilma Rousseff (PT) adotou um tom de cautela, se absteve em algumas votações na ONU (Organização das Nações Unidas) e chegou a enviar missões para dialogar com Assad, o Brasil também condenou a repressão por parte do regime sírio.

Num dos documentos, de 16 de agosto de 2010 e enviado pela chancelaria síria, um plano completo da aproximação é desenhado. Além de acordos no setor da educação, em tributação e mesmo no setor de saúde incluindo o Hospital Sírio-Libanês, o projeto cita explicitamente a abertura de negociações para o "estabelecimento de uma zona de livre comércio entre a Síria e o Mercosul". Hoje, o Mercosul já tem um acordo similar com Israel.

A primeira etapa nesse processo seria "a elaboração de um estudo para avaliar o impacto, negativo e positivo, de um acordo comercial". O processo seria seguido por viagens de ministros de Economia e do Comércio de ambos os lados e uma tentativa de fechar um acordo já em 2011, o que não ocorreu.

Dados oficiais do comércio apontam que, de fato, a relação até a eclosão do conflito vinha ganhando uma nova dimensão. Em 2010, as exportações nacionais para a Síria somaram US$ 540 milhões, um recorde.

Mas com a eclosão do conflito, em fevereiro de 2011, a situação mudou radicalmente. As exportações brasileiras para a Síria sofreram uma redução de mais de 76% em 2012 e outros 33% em 2011, voltando aos níveis registrados há dez anos. As sanções impostas contra as autoridades sírias e, acima de tudo, o impacto do conflito na economia local, acabaram reduzindo o volume de vendas no país.

Em 2010, parte do lançamento dessa aproximação tinha uma relação direta com a visita de Assad ao Brasil. Os emails de diplomatas sírios revelam a importância que Damasco deu à viagem, com uma programação inclusive para a ex-primeira-dama e projetos em São Paulo com a comunidade síria. Os emails também revelam como Assad pediu o envio do currículo de algumas das personalidades brasileiras que encontraria, como a do senador e ex-presidente José Sarney.

Num documento enviado no dia 2 de junho de 2010 para a embaixada da Síria no Brasil e à chancelaria em Damasco, os sírios ainda apresentam o perfil da então candidata Dilma Rousseff. Destacando suas características como "dama de ferro" e de ter sido uma das pessoas fundamentais no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o perfil elaborado pelo governo que não reconhece Israel ainda apontava: "há quem diga que [os Rousseff] são de origem judaica e com ancestrais judeus na Europa".

Em outro email, membros do Protocolo do Itamaraty explicam aos sírios como deveria ser organizado o desembarque do presidente Assad no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Além de disponibilizar mais de dez carros blindados, com motoristas que faziam parte da Policia Federal, os organizadores da chegada de Assad alertam para o "trânsito de São Paulo".

Mas lamentaram o fato de que não teriam como "fechar ou bloquear ruas" para a passagem do cortejo do ditador.

Reportagem

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