MP faz buscas em casa de líder da campanha de ódio contra Maria da Penha
O Ministério Público do Estado do Ceará deflagrou uma operação contra o suspeito de promover ameaças e campanha de ódio contra Maria da Penha, através das redes sociais. A operação "Echo Chamber" ocorreu no sábado nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, com mandados de busca e apreensão e está sendo revelada apenas nesta terça-feira. O nome do suspeito foi mantido em sigilo.
Maria da Penha Fernandes dá nome à Lei nº 11.340/2006, voltada ao combate da violência doméstica contra a mulher. A operação contou com o apoio dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos Ministérios Públicos dos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.
Maria da Penha, conforme o UOL revelou com exclusividade em junho, passou a ganhar uma proteção do estado. Ela vinha sofrendo uma série de ataques da extrema direita e dos chamados "red pills" e "masculinistas", que se reúnem em comunidades digitais para disseminar o ódio às mulheres.
Essa onda misógina procura se fortalecer com base em fake news ou mentiras que têm como base o descrédito da palavra da mulher. Por ser um símbolo do combate à violência doméstica no Brasil, Maria da Penha é um de seus principais alvos.
Uma das notícias falsas que passaram a circular questiona as duas tentativas de feminicídio pelas quais o ex-marido dela foi condenado. Esse discurso mentiroso vai contra todas as informações já comprovadas pela Justiça.
Diante da situação, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves viajou até o Ceará para tratar tanto com o governador Elmano de Freitas (PT) como com a Secretaria de Mulheres. Ficou estabelecido que Maria da Penha entraria no programa de proteção a defensoras de direitos humanos e passar a ter segurança particular.
Agora, segundo a nota do MP do Ceará, o cumprimento dos mandados de busca e apreensão ocorreu na residência de um dos principais investigados no estado do Espírito Santo e, também, num evento voltado ao público masculino em que o alvo participava no Rio de Janeiro. "Foram apreendidos equipamentos eletrônicos que serão analisados pelo Ministério Público do Ceará", disse.
Atendendo um pedido do MP, o Poder Judiciário determinou:
a suspensão do perfil do suspeito na plataforma Instagram pelo período de 90 dias;
a proibição dele se aproximar ou manter contato, pessoalmente ou através de pessoa interposta, com Maria da Penha e suas filhas, bem como de se aproximar das residências delas;
o impedimento de se ausentar da comarca onde reside, por mais de sete dias, sem autorização judicial, assim como do país.
No primeiro semestre de 2024, Maria da Penha passou a sofrer uma série de ataques de membros de comunidades digitais que disseminam o ódio às mulheres. Ao tomar conhecimento das ameaças, o MP do Ceará acionou o Núcleo de Investigação Criminal para iniciar a apuração dos fatos, e o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV), que encaminhou Maria da Penha ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
"Segundo as investigações realizadas pelo Ministério Público, a campanha atinge diretamente a honra de Maria da Penha, atribuindo-lhe conteúdo ofensivo e de natureza caluniosa, consistindo em possíveis delitos de intimidação sistemática virtual ("cyberbullying"), perseguição ("stalking"/"cyberstalking"), ameaça, dentre outros", afirmou.
De acordo com o MP, foi identificado um perfil com elevado número de adeptos que vem produzindo conteúdos de natureza misógina (ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres ou meninas), deturpando informações, bem como atacando a farmacêutica Maria da Penha, sua história e a própria Lei 11.340/2006.
"De acordo com a apuração do MP, os riscos potenciais não se limitaram às redes sociais. Observou-se o deslocamento do principal investigado à antiga residência de Maria da Penha, no bairro Papicu, em Fortaleza, local em que a tentativa de homicídio contra ela ocorreu em 1983", afirmou.
O nome "Echo Chamber" (Câmara de Eco) foi escolhido para a operação por se referir um termo usado para descrever um ambiente em que as pessoas são expostas a "informações ou ideias que reforçam suas próprias crenças, sem entrarem em contato com opiniões divergentes".
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"No contexto deste caso, o discurso do investigado contribuiu para a propagação de uma distorção dos fatos dentro de um grupo de seguidores, criando um ciclo fechado de informações", explicou o MP.
"Esse ciclo se caracteriza por um constante reforço das mesmas ideias, sem espaço para questionamentos ou visões alternativas, o que distorce a percepção da realidade e dificulta o confronto com informações contrárias. Assim, ao propagar um discurso unilateral, o investigado alimentou uma câmara de eco, onde os adeptos da ideia apenas confirmavam entre si as crenças já estabelecidas, sem considerar outras perspectivas", completou.
O que ocorreu com Maria da Penha
Em maio de 1983, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros deu um tiro nas costas da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, sua esposa e mãe de suas três filhas, enquanto ela dormia. Como resultado, Penha perdeu para sempre o movimento nas pernas.
Na época, o agressor declarou à polícia que sua casa foi invadida por assaltantes. Essa versão foi desmentida durante a investigação. Quando Maria da Penha voltou do hospital para casa, Heredia a manteve em cárcere privado. Nesse período, tentou eletrocutá-la durante o banho.
Após a segunda tentativa de feminicídio, Maria da Penha conseguiu levar o caso à polícia. Como não havia legislação específica para violência doméstica ou feminicídio, começaria ali um périplo que duraria quase 20 anos.
A falta de respostas do Estado levou Maria da Penha, com apoio de organizações feministas, a denunciar o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Entre as recomendações ao país, o órgão pedia uma resposta eficaz ao caso e uma reparação simbólica e material a ela.
A seis meses da prescrição do crime, Heredia foi preso, condenado por tentar matar a ex-companheira. Maria da Penha foi indenizada pelo estado do Ceará, e o governo federal aprovou, em 2006, a lei que leva o seu nome e prevê os crimes de violência moral, psicológica, patrimonial, sexual e física. A Lei Maria da Penha é hoje referência mundial no combate à violência contra a mulher.
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