Posse de Maduro coloca Brasil em encruzilhada; entidades cobram medidas
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva ainda avalia se irá participar da posse de Nicolás Maduro, no dia 10 de janeiro. A consideração ocorre num momento delicado. De um lado, Brasília busca manter uma porta aberta com o presidente venezuelano para que possa mediar uma saída política para a crise. Mas, ao mesmo tempo, havia indicado que apenas reconheceria a vitória de Maduro mediante a apresentação das atas da eleição, o que jamais ocorreu.
Enquanto isso, numa carta obtida pelo UOL, algumas das principais entidades de direitos humanos do Brasil e estrangeiras cobram do Palácio do Planalto e do Itamaraty "medidas concretas" e "agir com firmeza" contra o regime venezuelano.
Em julho, a eleição na Venezuela foi concluída com o anúncio por parte de Maduro de que teria sido o vencedor para mais um mandato como presidente. A oposição denunciou uma fraude e insistiu que seu candidato, Edmundo Gonzalez, teria vencido.
O governo brasileiro evitou falar em fraude. Mas insistiu que não reconheceria a eleição enquanto as atas com os resultados não fossem apresentadas. Os documentos nunca foram publicados e uma crise diplomática se instaurou entre Brasília e Caracas. O governo Maduro chegou a atacar o assessor especial de Lula, Celso Amorim, e acusou a diplomacia brasileira de estar à serviço dos interesses americanos.
Fontes diplomáticas, agora, apontam que o governo não deve enviar um ministro ou representante de alto escalão para a posse. Se houver uma presença, será da embaixadora do Brasil em Caracas, Gilvania de Oliveira. Mas não há ainda uma instrução oficial do Itamaraty para determinar se ela deve estar presente na cerimônia.
Um dos temores é de que isso seja usado por Maduro como um reconhecimento implícito do resultado da eleição.
Nos últimos dias, a nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, anunciou que seu governo estará presente em Caracas para a posse. Mas tampouco definiu se enviará uma missão oficial de sua capital ou se apenas o embaixador na cidade venezuelana será o representante.
Entidades fazem cobrança ao governo
Nesta quinta-feira, o governo brasileiro recebeu ainda uma carta assinada por entidades nacionais e estrangeiras cobrando uma postura por parte do Brasil diante da situação na Venezuela.
O documento é assinado pela Artigo 19 Brasil e América do Sul, Associação Brazil Office, Conectas Direitos Humanos, Human Rights Watch, Transparência Eleitoral Brasil e Transparência Internacional Brasil.
Nele, as entidades solicitam ao governo a "adoção de medidas concretas para ajudar a garantir a transição democrática e pacífica na Venezuela". A carta foi enviada ao embaixador Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, a Márcio Macêdo, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, ao chanceler Mauro Vieira e ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.
"A despeito de fortes indícios de fraudes eleitorais identificados e documentados por observadores internacionais, o presidente Nicolás Maduro avança para assumir seu terceiro mandato", apontam. "Contudo, até o presente momento não apresentou as atas eleitorais que comprovem a sua vitória no pleito deste ano", disseram.
As entidades contam como o Comitê dos Direitos Humanos da ONU anunciou a abertura de um processo formal para investigar a alegada fraude nas eleições de julho passado na Venezuela e exigiu que se preservassem os registros da contagem até que seja julgado o mérito da questão.
A carta ainda diz que, na Venezuela, "há violações generalizadas de direitos humanos e desrespeito à vontade popular expressa nas urnas, uma situação que não pode ser normalizada ou aceita pelo Brasil".
"Sendo um país que se propõe a liderar uma coalizão internacional em defesa da democracia, o Brasil deve agir com firmeza diante desse cenário de grave crise político-institucional e deterioração democrática, das liberdades públicas e dos direitos humanos no país vizinho", defenderam.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberNa carta, as entidades fazem quatro pedidos ao governo brasileiro:
Não reconhecimento do resultado eleitoral venezuelano enquanto as atas eleitorais originais não forem apresentadas e verificadas e até que o Comitê de Direitos Humanos da ONU se pronuncie sobre o mérito da demanda que está sob sua análise formal.
Garantia de proteção e saída dos asilados políticos venezuelanos que se encontram na embaixada da Argentina em Caracas, sob a custódia do governo brasileiro.
Apoio à sociedade civil organizada venezuelana, que enfrenta criminalização e repressão severa pelo governo atual da Venezuela.
Atuação pela libertação de todas as pessoas presas arbitrariamente após as manifestações em razão das fortes evidências de fraude eleitoral, garantindo sua integridade física e o devido processo legal.
As entidades concluem o documento insistindo na "necessidade de o Brasil desempenhar um papel ativo e comprometido na promoção da democracia e na defesa dos direitos humanos na América Latina".
"A situação na Venezuela exige uma resposta urgente e coordenada da comunidade internacional, na qual o Brasil tem uma posição estratégica e de liderança", completam.
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